Contos do Mundo

Biblioteca Escolar EBS Muralhas do Minho, Valença

Imagem Wendy Tan

As três maçãzinhas de oiro

Era uma vez um pai que tinha sete filhos. Como não tinha com que os manter, nem trabalho para lhes dar, lembrou-se de os despedir todos por esse mundo fora, para que fossem procurar vida.

Chamou-os então, e disse-lhes assim:

— Filhos, eu não tenho que vos dar, e nem sequer trabalho; e por isso é preciso que cada um de vós vá tratar da vida, e ganhe para o seu sustento, porque eu já estou muito velho e não posso mais.

Os rapazes ficaram todos muito pensativos, mas nenhum deles disse palavra. Quando chegou a hora da partida, o pai chamou o mais velho e disse-lhe assim:

— Vê lá, filho, qual queres mais: a minha bênção, ou um bocado de pão para o caminho?

— Mais quero o pão — respondeu o filho mais velho.

O pai partiu uma fatia de pão e deu-a ao filho, que logo em seguida se foi embora.

Chamou depois o seguinte em idade, e fez-lhe a mesma pergunta; e esse respondeu também que mais queria o pão, e responderam o mesmo os outros todos até ao sexto.

Veio depois o mais novinho, que tinha só sete anos, e disse-lhe o pai as mesmas palavras:

— Vê lá, filho, qual queres mais: se o meu pão se a minha bênção.

O pequeno pôs-se a chorar, e respondeu que mais queria a bênção; – e o pai deitou a bênção ao filho mais novo, que se foi embora sempre a chorar.

Saíram os rapazes; e cada um tomou por caminho diferente, à procura de trabalho, ou de algum amo para se apreitar. O mais pequeno, esse a bem dizer nem sabia aonde ia, porque nem idade tinha para se governar, e às vezes sentava-se debaixo de uma árvore, e punha-se a chorar já muito cansado. Até que à boca da noite encontrou uma mulher muito bonita, que se voltou para ele e disse-lhe assim:

— Menino, tu onde vais?

— A ganhar a vida — respondeu o pequeno. — A ver se encontro um amo para me apreitar.

— Tão pequenino?!

Ele então contou-lhe o que se tinha passado com o pai mais com os outros irmãos, e a aparecida disse-lhe assim:

— Queres tu justar-te comigo?...

— Sim senhora, quero. Quem me dera! — respondeu logo o rapazinho.

— E então quanto queres ganhar?

— Eu, o que me der!

— Bem, então estamos justos! Mas olha lá que tens de me servir sete anos, e no fim dou-tos três maçãzinhas de oiro, que é a soldada. Queres?

— Quero, sim senhora.

E o pequeno foi algum tempo detrás da ama.

Mas vai senão quando, os dois desapareceram no ar, assim como uma nuvem de fogo! – O pequeno nem tinha desconfiado, mas a ama era Nossa Senhora.

Por lá andou o pequeno sete anos, que lhe pareceram a ele só sete dias; e no fim a ama mandou-o embora, e deu-lhe as maçãzinhas do ajuste, que eram três.

— Toma! Dá-as a teu pai, e diz-lhe que é para te sustentar com elas, mais aos teus irmãos. Toma.

Mas não as dês senão ao teu pai, ouviste?

O pequeno foi-se logo embora muito contente, morto por dar ao pai as três maçãzinhas, que haviam de chegar para ele e para os outros irmãos; e quando já ia perto de casa, encontrou dois que já tinham voltado, mas por sinal ambos muito pobres.

Os três puseram-se então a conversar; e o mais novo contou aos irmãos a boa ama que tinha encontrado, e mostrou-lhes as três maçãzinhas.

Os irmãos ficaram cegos com o brilho do oiro; e logo ali rogaram muito ao mais pequeno que lhes desse a cada um sua maçãzinha. Mas ele respondeu que só as dava ao pai, e o pai que as repartisse por todos como quisesse.

À vista disto, e como o irmão não queria dar as maçãs, à boamente, logo ali resolveram matá-lo e tirar-lhas depois, e se bem o pensaram melhor o fizeram; – mas qual não foi o espanto deles, quando viram que nem mesmo depois de morto arrancavam as maçãzinhas da mão do irmão?!

Os dois resolveram então enterrar o pequeno, e foram-se para casa depois de o enterrar, e muito crentes que o seu crime se não saberia, porque ninguém o tinha presenciado. Mas daí a mês pouco mais, um pastor passa por ali, e vê uma cana muito viçosa e muito bonita, que nascia onde o pequeno estava enterrado! Cortou-a e fez uma flauta. – Mas vai senão quando, o pastor põe-na à boca, e a flauta impeça a dizer:

Toca, toca, ó pastor,
Que meus irmãos me mataram,
P’r amor de três maçãzinhas,
E ao cabo não nas levaram.

O pastor ficou muito aterrado com o sucedido, e foi-se dali onde a um carvoeiro, que andava no monte a fazer carvão, e contou-lhe o caso. O carvoeiro, inda mais espantado, pega na flauta e põe-se a soprar, e a flauta que entra logo a dizer:

Toca, toca, carvoeiro,
Que meus irmãos me mataram,
P’r amor de três maçãzinhas
E ao cabo não nas levaram.

Ficou o carvoeiro que nem sabia donde era! E como estava de caminho para ir para a aldeia, e a flauta tinha a virtude de falar, pediu ao pastor que lha emprestasse, a ver se lá plo povo adivinhavam aquilo.

Levou a flauta o carvoeiro, e a primeira casa onde entrou foi a do ferreiro; e logo ali contou o que tinha acontecido e mostrou-lhe a flauta. Mal o ferreiro a pôs à boca, a flauta começou logo:

Toca, toca, ó ferreiro,
Que meus irmãos me mataram,
P’r amor de três maçãzinhas
E ao cabo não nas levaram.

A este tempo entrava na forja o pai do morto, que ficou também muito admirado quando lhe contaram o que dizia a flauta! Pega também nela o pobre do velho e põe-se a soprar, e a flauta diz logo assim:

Toca, toca, ó meu pai,
Que meus irmãos me mataram,
Por três maçãzinhas d’oiro
E ao cabo não nas levaram.

O velho pôs-se muito branco, e acudiu-lhe logo que as palavras da flauta diziam respeito à sua família. Nessa ocasião entrava na frágua um dos filhos do velho, que era um dos dois que já tinham voltado, e que trazia carvão para aguçar umas ferramentas. O pai parece que o coração lhe adivinhou, porque, mal o rapaz entra na forja, dá-lhe a flauta para que a tocasse:

— Toma! Toca essa flauta!

Leva o rapaz a flauta à boca, na boa fé, e ela começa logo:

Toca, toca, meu irmão,
Que tu mesmo me mataste,
Por amor de três maçãzinhas
Que ao cabo não nas levaste!

O rapaz ficou muito aterrado, e viu-se-lhe logo na cara o sinal do crime. Mas como os filhos do velho eram sete e só dois é que tinham voltado, precisavam saber qual era o morto. Foram-se então dali onde ao pastor, que os levou onde tinha cortado a cana; e cava-que-cava mesmo no sítio, não tardou que aparecesse o corpo do pequeno, e numa das mãos as três maçãzinhas!

Por mais que alguns fizeram, não foram capazes de lhe tirar as maçãs; mas mal que o pai lhe tocou, abriu a mão e largou-as logo. Viu-se então que se tratava de um grande milagre; e, levados à presença do cadáver, os dois irmãos confessaram o que se tinha passado – e logo ali apareceu a Virgem Santíssima e arrebatou para o céu o corpo do pequeno, no meio de uma nuvem de fogo!

Logo em seguida a terra abriu-se e engoliu os dois irmãos!

Trindade Coelho, Os meus amores.

For a greedy man even his tomb is too small. – Tajikistani Proverb