Contos do Mundo

Biblioteca Escolar EBS Muralhas do Minho, Valença

Imagem Wendy Tan

A Fada

Era uma vez uma viúva que tinha duas filhas. A mais velha era tal e qual a mãe, tanto na aparência como no mau feitio. Eram ambas tão mal-humoradas e orgulhosas que se tornava impossível viver com elas. A mais nova, pelo contrário, era gentil, bondosa e muito bonita. Era tal e qual o pai.

Como cada um prefere o seu igual, a mãe gostava muito da mais velha e detestava a mais nova, obrigando-a a comer na cozinha e a trabalhar o dia inteiro. Entre outras tarefas, a pobre rapariga tinha que ir duas vezes por dia buscar água a uma fonte que ficava a meia milha de distância. De regresso, vinha carregada com a bilha cheia de água. Certo dia, quando estava na fonte, acercou-se dela uma pobre mulher que lhe implorou um pouco de água.

— Sim, minha senhora, — respondeu a rapariga delicadamente. Lavou cuidadosamente a bilha, encheu-a no sítio onde a água era mais límpida e ofereceu de beber à velhinha, segurando na bilha para que ela pudesse beber com calma.

Depois de saciar a sede, a boa senhora disse-lhe:

— És tão bela, tão boa e tão gentil que não resisto a conceder-te um dom.

A velhinha era, afinal, uma fada que tinha tomado a forma de uma pobre mulher para ver até que ponto a rapariga era gentil e bondosa.

— Concedo-te o dom — continuou a fada — de lançares pela boca uma flor ou uma pedra preciosa sempre que proferires uma palavra.

Quando a rapariga chegou a casa, a mãe ralhou-lhe porque se atrasara.

— Peço perdão por ter chegado tão tarde, mãe. — Disse a rapariga, ao mesmo tempo que lhe saíam da boca duas rosas, duas pérolas e dois diamantes.

— O que se passa? — perguntou a mãe muito admirada. — Parece que te estão a sair da boca pérolas e diamantes. Como é possível, minha filha? (Foi a primeira vez que lhe chamou filha).

A pobre rapariga contou-lhe o que acontecera, enquanto lhe saíam da boca uma infinidade de diamantes.

— Tenho que lá mandar a minha filha. Olha, Francisca, vê o que sai da boca da tua irmã quando fala. Gostarias de ter o mesmo dom? Só tens que ir buscar água à fonte e dar de beber a uma velhinha quando ela te pedir.

— Havia de ter graça, ir agora à fonte… — respondeu a malcriada.

— Faz imediatamente o que te mando, — repreendeu-a a mãe.

Ela assim fez, mas com muita má vontade. Pegou na jarra de prata mais bonita que havia em casa e partiu. Assim que chegou à fonte, viu aproximar-se uma senhora que saíra do bosque. Vinha magnificamente vestida e pediu-lhe de beber. Era a mesma fada que aparecera à irmã, mas que agora tinha o aspeto de uma princesa. Pretendia averiguar até que ponto chegava a rudeza daquela rapariga.

— Então julgas que vim aqui para te dar de beber? — perguntou a malcriada. — Trouxe um jarro de prata de propósito para dar de beber a sua excelência! Ora sirva-se sozinha, se tem sede!

— Não és nada gentil, — repreendeu-a a fada, sem se zangar. — Muito bem! Já que és tão pouco afável dou-te o dom de te saírem sapos ou cobras pela boca, sempre que falares.

Assim que a mãe a viu chegar a casa gritou-lhe:

— Então, minha filha?

— Então, minha mãe? — respondeu-lhe a malcriada, cuspindo duas serpentes e dois sapos.

— Céus! Que vejo eu? — gritou a mãe, horrorizada. — A culpa é da tua irmã, mas ela paga-mas.

Como a mãe lhe queria bater, a filha mais nova fugiu para a floresta. O filho do rei, que voltava da caça, encontrou-a e ficou deslumbrado com a sua beleza. Perguntou-lhe o que fazia ali sozinha e porque estava a chorar.

— Ai de mim, senhor! Foi a minha mãe que me expulsou de casa…

O filho do rei, que viu saírem-lhe da boca cinco ou seis pérolas e outros tantos diamantes, pediu-lhe que lhe dissesse de onde vinham aquelas riquezas. A rapariga contou-lhe a sua aventura. O príncipe, que entretanto se apaixonara por ela, achou que um dom assim valia muito mais do que qualquer dote. Então, levou-a consigo para o palácio do rei, seu pai, e casou com ela.

Quanto à irmã mais velha, tornou-se tão insuportável que até a mãe a expulsou de casa. Como ninguém queria estar com ela, acabou por se esconder num canto do bosque, onde morreu sozinha.

Autoria: Charles Perrault

It takes a thousand voices to tell a single story. – Native American Proverb