Contos do Mundo

Biblioteca Escolar EBS Muralhas do Minho, Valença

Imagem Wendy Tan

Os dois amigos

Dois amigos viajavam pelo deserto, caminhando em amena conversa, apesar do Sol abrasador. Um deles, porém, sentindo-se contrariado pelo outro, encetou uma discussão. Erguia a voz, gesticulava e pouco faltou para insultar o companheiro. Em dado momento da contenda, não resistiu e esbofeteou-o.

Admirado e ofendido, mas sem nada dizer, o amigo baixou-se e escreveu na areia: Hoje, o meu melhor amigo bateu-me no rosto.

Seguiram viagem, tristes e em silêncio. Absortos nos seus pensamentos, fixavam os olhos num ondulante horizonte de dunas e já caminhavam com dificuldade sob o ardor do Sol. Até que avistaram um oásis verde, emergindo da areia escaldante do deserto. Mais aliviados à sombra das tamareiras, resolveram banhar-se, comer e pernoitar no local.

Afastou-se um para recolher galhos com que pretendia acender um pequeno fogo. E o que tinha sido esbofeteado despiu-se, mergulhou na lagoa do oásis e principiou a refrescar-se. Contudo, passados minutos, perdeu o pé. E em breve se afogaria, não fosse a ajudado amigo que, ao escutar os gritos, largou tudo e acorreu ao chamamento, mergulhando na lagoa e arrastando o companheiro para a margem.

Quando, ao fim de algum tempo, este se sentiu recuperado, pegou num estilete, dirigiu-se a uma pedra e nela escreveu: Hoje, o meu melhor amigo salvou-me a vida.

Intrigado, o outro perguntou:

— Porque é que, depois de te bater, escreveste na areia, e agora, que te salvei, foste escrever na pedra?

A sorrir, o primeiro respondeu:

— Quando um grande amigo nos ofende, devemos escrever na areia, onde o vento do esquecimento e do perdão se encarrega de apagar as palavras. Quando, porém, faz por nós alguma coisa de verdadeiramente nobre, ah... aí devemos gravar as palavras que o recordam na pedra da memória e do coração, onde nenhum vento do mundo as poderá apagar.

E assim se acharam reconciliados. E comeram, beberam e conversaram alegremente. Depois puseram-se a contemplar a Lua e as estrelas até o cansaço os vencer. E mergulharam, por fim, num sono profundo e retemperador.

Contos e lendas de Portugal e do mundo, Porto Editora.

Ler e pensar: analisa a estrutura do conto

“Of all possessions a friend is the most precious.” – Herodotus