Jornal Escolar AE Muralhas do Minho | 2023-2024
Contos para os direitos
Biblioteca Escolar | 15-11-2024
As histórias oferecem oportunidades de autoconhecimento, reconhecimento do outro, criação de vínculos e compreensão do mundo. Estimulam também a capacidade de escuta, o diálogo, contribuindo simultaneamente para a formação de leitores.
A ponte
Max e Pedro eram alunos do sexto ano. Moravam em frente um do outro,
na mesma rua de uma pequena cidade. Já tinham sido grandes amigos, mas,
por um motivo qualquer, tiveram um dia uma discussão e passaram a
odiar-se.
Quando Max saía da porta do pátio, gritava para o outro lado da rua:
— Ó palerma! — E mostrava o punho ao ex-amigo.
Pedro respondia:
— Quantos escaravelhos como tu são precisos para fazer um quilo? — E
ameaçava-o também com o punho.
Os colegas da turma tinham já tentado reconciliá-los por várias vezes,
mas todos os esforços haviam sido vãos. Eram mesmo dois teimosos! Da
última vez, acabaram a atirar bolas de lama um ao outro. Um dia, tinha
chovido muito. Depois, as nuvens afastaram-se e o sol voltou a brilhar,
mas a rua ficara inundada. Quem queria atravessar tentava, a medo, medir
a profundidade da água com a ponta do pé, e recuava.
Max saiu de casa, parou na frente do pátio e olhou satisfeito à sua
volta. Tudo fresco e lavado pela chuva, brilhava agora ao sol. De
repente, o seu rosto tornou-se sombrio. Do outro lado da rua, estava
Pedro parado à porta de casa. E Max reparou que ele tinha na mão uma
grande pedra.
“Ah!”, pensou Max. “Então queres atirar-me com uma pedra! Isso também eu
sei fazer!”
Correu novamente em direção ao pátio, procurou um tijolo e voltou para a
rua, pronto para se defender.
Mas Pedro não lhe atirou a pedra. Baixou-se na beira do passeio e
depô-la na água com cuidado.
Depois, experimentou com o pé para ver se oscilava, e desapareceu.
A pedra parecia uma pequena ilha.
“Ah!”, pensou Max. “Isso também eu sei fazer!” E colocou o seu tijolo na
água.
Pedro voltou a aparecer, carregando uma segunda pedra. Pôs o pé com
cuidado em cima da primeira e colocou a segunda pedra na água, alinhada
com o tijolo do seu inimigo. Max trouxe então três tijolos de uma só
vez.
E assim foram construindo uma passagem sobre a água.
Nos dois lados da rua, as pessoas observavam-nos e esperavam. Por fim,
ficou apenas a distância de um passo entre o último tijolo e a última
pedra. Max e Pedro estavam em frente um do outro. Era a primeira vez,
desde há muito tempo, que se olhavam novamente nos olhos.
— Tenho uma tartaruga no meu pátio — diz Max. — Queres vir vê-la?
Autoria: N. Oettli
Uma casa para Marie
Esta história é verdadeira. Passou-se em França depois da Primeira Guerra Mundial, durante a qual uma aldeia inteira foi destruída pelos combates.
Marie acordou sobressaltada na escuridão e sentiu o cheiro familiar da sujidade. Estremeceu com o frio húmido. Enquanto se levantava para arranjar a cama feita de trapos e de serapilheira no chão sujo, o pesadelo que lhe tinha abalado o sono pairava sobre ela como uma nuvem negra. Era todas as noites o mesmo pesadelo.
Começava sempre com um sonho agradável. Via a sua aldeia muito amada. Depois via-se a sair da casa velha e aconchegante com a Mãe e a Avó e a passar pela rua estreita. Debaixo de quase todas as janelas, havia floreiras coloridas. O sol resplandecia no campanário da igreja. Mas havia um som assustador que vinha na direção da aldeia: o som das armas. Marie estremeceu de novo, à medida que sentia que o sonho feliz se transformava num pesadelo.
Aterrorizadas, a Mãe e a Avó tinham-na arrastado para as árvores. Aí, deitaram-se por terra. Soldados de uniforme azul passavam em colunas. Armas! Lutas! Explosões e gritos! Fogo! Quando tudo acabou, a aldeia deixara de existir.
À medida que a guerra se afastava, Marie, a Mãe e a Avó vasculharam, em lágrimas, o cascalho em que a sua casa se transformara. A pequena família mudou-se para uma antiga cave.
“Como toupeiras nos buracos do chão”, pensara Marie, com tristeza.
Enfiou-se nos trapos e voltou a cair num sono irregular. Os soldados continuavam a marchar na sua cabeça. Depois dos soldados franceses em uniformes azuis, tinham vindo os soldados alemães em uniformes verdes. Para alívio de todos, depressa se foram embora. Depois vieram os uniformes caqui dos americanos.
Os americanos riam-se e entregavam moedas aos miúdos ávidos. Mas, quando partiram, a aldeia continuou em ruínas.
Quando Marie acordou de novo, o sol brilhava através das fendas nas tábuas velhas que serviam de teto. Ao ouvir sons estranhos, sentou-se num ápice. Algo de diferente estava a passar-se naquela manhã. Perguntava-se que sons seriam aqueles.
— Mãe, será que os soldados voltaram? — perguntou ansiosamente.
— Não, minha querida. Vai lá acima ver quem chegou.
A Mãe parecia estranhamente contente.
Marie atirou com os trapos e subiu os degraus periclitantes da cave. Viu de imediato que outros homens de uniforme cinzento tinham vindo para a aldeia.
— Oh, Mãe! — gritou excitada depois de os observar por algum tempo. — Os soldados trazem serras e martelos, em vez de armas. Estão a construir casas.
Marie pensou que eram soldados porque traziam uniformes. Mas não eram soldados. Eram trabalhadores britânicos e americanos.
Marie pensou depressa. Desceu os velhos degraus a correr e pegou numa meia velha onde estavam seis cêntimos franceses que os soldados americanos lhe tinham dado. Era o único dinheiro que a sua família tinha. Enquanto voltava a subir as escadas, um misto de esperança e ansiedade fazia-a tremer a cada degrau. Correu para o chefe dos homens vestidos de cinzento.
Timidamente, estendeu a meia e mostrou-lhe os seis cêntimos.
— O senhor pode construir-me uma casa por seis cêntimos?
O homem pareceu surpreendido e pediu-lhe para repetir a pergunta. Quando finalmente compreendeu, não se riu nem sorriu, mas respondeu muito seriamente:
— Bem, Menina, veremos o que se pode fazer.
Não disse “Sim”, mas também não disse “Não”. Marie observou o que aconteceria. Uma por uma, foram-se construindo casas pequenas para outras pessoas.
As casas eram pequenas e simples mas, para Marie, eram bonitas. Como ansiava por um chão de madeira limpo para varrer e um belo telhado de telhas vermelhas para impedir a chuva de entrar!
Será que se iriam embora sem construir uma casa para a família dela? Enquanto esperava e observava, a cave parecia-lhe mais escura e húmida do que nunca.
Quando estava quase a desistir de esperar, Marie obteve a sua resposta. A resposta era “Sim”. A casa de Marie, tal como as outras, foi construída em apenas três dias. Para Marie era a casa mais bela do mundo.
No dia em que acabaram de a construir, o chefe dos homens de cinzento entregou a chave da porta de entrada a Marie com muita cerimónia, dizendo: — Menina, a sua chave.
Marie pegou nela e abriu oficialmente a porta, enquanto a Mãe, a Avó e toda a aldeia a observavam.
Parou de repente, como se se recordasse de algo. Prometera-lhes os seis cêntimos pela casa, por isso esta ainda não era propriedade sua.
Voltou rapidamente a descer os velhos degraus da cave e, quando voltou, dirigiu-se ao chefe dos homens de cinzento. Agora que estava acabada, a casa parecia grande e os seis cêntimos pareciam pouco. Mas era tudo o que ela tinha, e foi-os contando à medida que os colocava na mão do chefe.
Será que chegava? Quase nem se atrevia a olhar para o homem.
Ele sorriu-lhe e disse solenemente:
— Obrigado, Menina, mas quatro cêntimos são suficientes.
E deu-lhe de volta dois cêntimos.
William W. Price, Lighting candles in the dark (Texto adaptado)
O artigo 27 da Convenção sobre os Direitos da Criança determina que tens direito a um nível de vida digno. Os adultos responsáveis por ti devem procurar que não te falte comida, roupa ou uma casa.
Os conquistadores
Era uma vez um vasto país governado por um General.
Os habitantes acreditavam que o seu modo de vida era o melhor. Tinham um
exército muito forte e dispunham de canhões.
De tempos a tempos, o General reunia o exército e atacava um país
vizinho.
“É para o bem deles,” dizia. “Para que possam ser como nós.”
Os outros países resistiam, mas acabavam sempre por ser conquistados.
Com o tempo, o General acabou por dominar todos os países. Todos, exceto
um…
Tratava-se de um país tão pequeno que o General nunca se tinha dado ao
incómodo de o invadir. Só que agora era o único que restava. Assim, o
General e o seu exército puseram-se a caminho.
O pequeno país surpreendeu o General. Não tinha exército nem ofereceu
resistência. As pessoas saudaram os soldados invasores como se fossem
convidados bem-vindos.
O General instalou-se na casa mais confortável do país e os soldados
ficaram em casa dos habitantes.
Todas as manhãs, o General levava os soldados para a parada e, depois,
escrevia cartas à mulher e ao filho.
Os soldados falavam com as pessoas, jogavam com elas, escutavam as suas
histórias, cantavam as suas canções e riam-se das suas piadas.
A comida era diferente da deles. Viam-na a ser preparada e depois
comiam-na. Era deliciosa.
Como não tinham mais nada que fazer, ajudavam as pessoas no seu
trabalho.
Quando o General se apercebeu do que se estava a passar, ficou furioso.
Mandou os soldados para casa e substituiu-os por outros. Mas os novos
soldados comportaram-se como os outros o tinham feito.
O General percebeu que não precisava de um grande exército. Decidiu
regressar a casa e deixar apenas alguns soldados a ocupar o país. Logo
que o General partiu, os soldados penduraram os uniformes e juntaram-se
à população nas tarefas do quotidiano.
O General regressou triunfante a casa, com os soldados a cantarem, como
era hábito:
Somos os conquistadores.
Somos os conquistadores.
O General estava contente por ter regressado, embora sentisse que algo
mudara. Os cozinhados cheiravam aos cozinhados do pequeno país. As
pessoas jogavam os jogos do pequeno país. Até algumas roupas eram iguais
às roupas do pequeno país. Sorriu e pensou: “Ah! Os despojos da guerra.”
Nessa noite, quando foi deitar o filho, o menino pediu-lhe que cantasse
para ele.
O General cantou-lhe as únicas canções de que se lembrava.
Eram as canções do pequeno país.
O pequeno país que ele conquistara.
David McKee, The Conquerors.
“Short stories are tiny windows into other worlds and other minds and other dreams.” – Neil Gaiman