Jornal Escolar AE Muralhas do Minho | 2023-2024
Porque é que a política também é para nós?
Arquivo | 22-04-2024
Memórias do 25 de Abril foi uma rubrica publicada no jornal escolar, no ano letivo de 2008-2009. 15 anos depois, recuperamos os testemunhos recolhidos pelos alunos do 10.º ano, que entrevistaram pessoas próximas de si e registaram as suas memórias do acontecimento.
Entrevista a Luís Rei, oficial da Força Aérea
Ana Rei, 10.º A | 2008
Memórias do 25 de Abril de 1974
Pedro Fernandes, n.º 23, 10.º B | 2009
Estas são as memórias que a minha mãe, Cecília Martins, tem do 25 de Abril.
Nesta data, a minha mãe tinha nove anos, morava numa aldeia de Trás-os-Montes e frequentava o 4.º ano de escolaridade. Era uma localidade bastante isolada do resto do país, por isso o 25 de abril parecia um dia normal, pelo menos durante a manhã.
O meu avô era cabo da Guarda-Fiscal e um dos poucos habitantes da aldeia que sabia o que se estava a passar naquele dia, em Lisboa. Estava em casa, a escutar muito atentamente o rádio, à espera que alguma notícia lhe trouxesse novidades da capital. E foi o que aconteceu, após algumas horas de espera.
O meu avô ficou muito feliz, pois a partir desse dia toda a gente poderia falar à vontade, sem medo da ditadura que, até ali, oprimia as pessoas. Os livros tinham que passar pela censura e, se tivessem algo considerado proibido, como O Crime do Padre Amaro, teria que ser lido às “escondidas”.
A minha mãe, nesse ano, deixou de ter exame da 4.ª classe na sede de concelho, em Vimioso. Os exames passaram a ser feitos na escola da aldeia. Foi considerada uma grande vitória e um grande alívio para todos os alunos. Ela recorda-se de canções que se cantavam no 25 de Abril, que eram hinos à liberdade, tais como: “Grândola Vila Morena” e “Uma Gaivota Voava”.
Quando, finalmente, toda a gente da aldeia descobriu o que se tinha passado com a Revolução, sentiram-se alegres e felizes, parecia que tudo tinha mudado. Como se a partir desse dia, estivessem a viver num mundo novo.
O rádio de bolso do Monsieur Antoine
Daniela Pereira Alves, n.º 11, 10.º B | 2009
A minha avó era emigrante em França desde 1961 e desconhecia a maior parte dos acontecimentos que ocorriam no seu país. Só através da televisão ou do rádio é que as notícias chegavam até si. A Revolução dos Cravos fez parte dessas pequenas exceções.
No dia 25 de Abril de 1974 acordou cedo, arranjou-se e apanhou um transporte público para o seu emprego. Trabalhava como empregada de limpeza num pequeno laboratório. O dia estava a correr como o habitual, quando, já prestes a abandonar o seu posto de trabalho ao final do dia, ouviu Monsieur Antoine gritar que era o fim da ditadura em Portugal.
Monsieur Antoine era o porteiro do laboratório e andava sempre com um pequeno rádio de bolso encostado ao ouvido. Explicou-lhe que tinha havido um golpe de estado em Portugal, por parte dos militares, e que estes tinham conseguido derrubar o governo de Salazar. Foi então que a minha avó, surpreendida, lhe arrancou o rádio da mão e se pôs a escutar. O locutor falava muito rápido, mas ela conseguiu perceber que em Portugal já toda a população sabia do sucedido e todos se concentravam nas ruas para apoiar os militares.
Esteve mais uns minutos a conversar com o porteiro sobre a notícia do que tinham ficado a saber e depois regressou a casa. Tal como esperava, na televisão todos os canais abordavam o mesmo assunto: a Revolução dos Cravos. E foi deste tema que toda a gente falou nos 15 dias seguintes, apesar de estarem num país estrangeiro.
Um dia na vida de Simão Fernandes
Após ter conversado com Simão Fernandes acerca do que estava a fazer no dia em que se deu a Revolução, posso relatar alguns dos factos.
Simão Fernandes encontrava-se no seu local de trabalho quando recebeu a notícia da Revolução que estava a ocorrer em todo o país.
Ele e os seus colegas de trabalho dirigiram-se para um café, onde puderam acompanhar a evolução dos acontecimentos numa pequena televisão. Mais tarde, ligou para alguns amigos, que se encontravam longe, para saber se tudo estava a correr da melhor forma ou se tinha acontecido alguma tragédia.
Simão sentia-se eufórico, feliz e aliviado, pois o país estava saturado da ditadura de António de Oliveira Salazar.
Ao chegar a casa, Simão e os seus amigos abriram garrafas de champanhe e vieram para a rua comemorar.
Alguns dias após a Revolução, Simão foi encarregue de escolher as pessoas que iriam ocupar os cargos das juntas de freguesia, câmara e outras funções em Valença. Foi também convidado para alguns desses cargos, mas recusou pois dizia não ter instrução para nenhum deles. Tinha apenas a quarta classe.
Simão disse também que, antes do 25 de Abril de 1974, ajudou várias pessoas a fugir para Espanha no seu pequeno barco. Não só antes como também depois, pois várias pessoas eram perseguidas pelos cargos que ocupavam e viam-se obrigadas a fugir para zelar pela sua segurança.
O relato do senhor Daniel Meirim
Catarina Alves Fernandes, n.º 9, 10.º B | 2009
Este o relato do senhor Daniel Meirim, que tem ainda bem presente esta importante viragem na História de Portugal.
Segundo ele, a informação do que se passava em Lisboa no dia 25 de Abril de 1974 chegou, nessa mesma manhã, através da sua irmã. Esta, muito aflita, dirigiu-se ao seu quarto, transmitindo-lhe nervosamente a importante notícia. Ele respondeu, com grande serenidade, que já esperava o acontecimento.
Foi seguindo todas as notícias através da rádio. E ao longo de todo o dia permaneceu atento às notícias que iam chegando, visto que tinha sofrido um acidente na Guerra Colonial e estava obrigado a permanecer em casa em repouso.
Tendo em conta que, antes desta data, a maior parte do povo vivia oprimido e na miséria, a revolução era inevitável. Não havia liberdade de expressão e o povo não passava de um conjunto de “ovelhas” que seguia o seu “pastor”. Não se criticava e por vezes nem se falava. A opressão era um exagero.
Quando falou do 25 de Abril, o senhor Daniel Meirim deixou bem claro que esta revolução não foi como outras revoluções que nós bem conhecemos. Foi uma revolução de palavras e atos, e não de tiros, violência e morte. Segundo as notícias que ia ouvindo na rádio, os soldados estavam presentes, em primeira linha, mas não dispararam. Não bateram, não prenderam, nem puniram.
O êxito, na opinião do senhor Daniel, deveu-se essencialmente à união e à força do povo, que vinha premeditando este grande acontecimento já há algum tempo.
Foi a partir deste dia que passou a haver mudanças significativas na política do país. Assim sendo, chegámos ao regime que ainda vigora hoje em dia, a democracia. Pode parecer ironia, mas tem todo o sentido, visto que a palavra democracia é uma palavra composta, que significa “poder do povo”.
O que recorda desde essa altura é a mudança de vida que a revolução aportou ao povo. Trouxe mais liberdade de viver, mais liberdade de expressão, mais direito à escolaridade e, principalmente, mais direito à igualdade.
No final da nossa conversa, o senhor Daniel referiu que hoje em dia nós, o povo, acabamos por banalizar e abusar do verdadeiro sentido das palavras DEMOCRACIA e LIBERDADE.
Para terminar, deixou bem claro que foi um dia marcante na sua vida, que lhe aportou agradáveis modificações.
Onde estava no dia 25 de abril de 1974?
Ana Patrícia Viães Fernandes, n.º 3, 10.º B | 2009
“Golpe de Estado, golpe de Estado” foram palavras de ordem pronunciadas no dia 25 de abril de 1974. Para saber mais, entrevistei algumas pessoas que viveram este momento, obtendo testemunhos muito distintos:
Dona Júlia, 76 anos – Estava na cama a dormir, só quando acordei e liguei o rádio é que soube o que tinha acontecido. Por um lado foi bom, mas nós agora sentimos que deram muita liberdade às pessoas, o que fez aumentar os crimes.
Senhor Luís, 77 anos, marido da Dona Júlia – Antigamente havia mais respeito e muita ordem, só de ouvir falar na PIDE, as pessoas já tremiam. Agora roubam, matam, violam e se alguém se defende ainda podem ir presos. Podíamos dormir de portas e janelas abertas que ninguém roubava nada nem se aproximavam da nossa casa sequer.
Senhor Manuel, 73 anos – Encontrava-me no café a trabalhar com a minha mulher, quando, de repente, o café começa a encher muito depressa e a pedirem-me para ligar o rádio, que tinha havido um golpe de Estado, mas ninguém sabia muito acerca disto. Para mim até foi bom. No café não podia vender de tudo, algumas bebidas eram proibidas, e isso levou-me a aumentar a variedade de produtos, e até a melhorá-los. Notei um aumento de lucro razoável.
Senhora Laurinda, 42 anos – Não me lembro onde estava nesse momento, provavelmente na escola. Mas lembro-me de uma coisa muito engraçada: as pessoas começaram a falar todas na rua. Como antes do 25 de Abril quase não se podia falar com ninguém na rua, notou-se grande diferença nesse ponto.
Dona Fátima, 56 anos – Tinha casado no dia anterior, estava em França, os meus pais estavam lá emigrados. Soubemos pela rádio de França. Lembro-me que planeámos voltar para Portugal, mas como não conseguíamos contatar, naquele momento, ninguém em Portugal desistimos da ideia. Voltei para Portugal com 42 anos e os meus pais diziam sempre que estava tudo muito diferente!
Dona Francelina, 53 anos – Estava a entregar uns documentos para fazer o exame de Estado (exame final do curso). De repente, os funcionários dirigiram-se todos para um compartimento que havia dentro da secretaria. Não sabia que fazer. Quando voltaram, começaram a dirigir-se para a porta da saída e nunca mais quiseram saber dos meus documentos, fiquei toda contente porque, depois, esse processo ficou suspenso e tive umas ‘mini férias’.
Senhor Joaquim, 55 anos – Foi um fracasso, agora parece que rebenta tudo. Estava a trabalhar no campo, a vida era muito dura. Agora, se for preciso, até nos roubam de tudo e mais alguma coisa. Lembro-me que pendurava na sala o meu fio de ouro, agora não me atrevo.
Senhor João, 49 anos – Estava na escola, quando chega um colega atrasado e nos conta o sucedido. Como não podíamos faltar, continuámos na escola. Dias depois já se sabia tudo. Havia muita liberdade e as pessoas falavam sem medo.
Artigos publicados no jornal ESCOLAPRESS / Ilustração: Ana d’Alves
“The first duty of a man is to think for himself.” – Jose Marti