A Páginas Tantas
Cartas, por Pablo Aldo
O meu tio, o solteiro, era carteiro e colecionava
cartas de amor. Mas cartas dos outros, coitado. Na nossa aldeia nenhuma carta
de amor chegou ao seu destino enquanto ele esteve no ativo.
— É muito fácil distingui-las — dizia. — As esquinas enrolam-se todas ao roçar
nos envelopes e se as lançares ao ar levam muito mais tempo a flutuar do que as
outras.
Ele era como aquelas cartas: passava a vida a flutuar entre histórias de amor
alheias. Às vezes ouvíamo-lo a chorar ou a rir no seu quarto sem motivo
aparente.
— Mas vê lá, isso não é correto — dizíamos-lhe. — Essas cartas não são para ti.
— Não consigo evitá-lo — confessava.
Cada vez que arranjava uma nova, entrava a gritar em casa, louco de alegria.
Reunia toda a família na sala. Fizesse frio ou calor, acendíamos a lareira,
calavamo-nos e esperávamos.
— Isto não está certo — dizíamos baixinho. E ao meu tio: — Lê, lê.
Entardecia sempre durante a leitura. Ele nunca revelava o autor nem o
destinatário.
Depois arquivava-as bem classificadas. Sinceras, afetadas, passionais,
distantes, ardentes e fingidas, todas tinham o seu lugar nas estantes. As de
amor verdadeiro guardava-as debaixo da cama.
Apesar de ser solteiro, o meu tio dormia sempre sobre palavras de amor.
“I did then what I knew how to do. Now that I know better, I do better.” – Maya Angelou