A Páginas Tantas
A Ilha de Nim
Wendy Orr
Numa palmeira, numa ilha no meio de um vasto mar azul, estava uma rapariga.
O cabelo de Nim estava revolto, tinha uns olhos inteligentes e à volta
do pescoço usava três cordéis. Um era para um telescópio portátil, outro
para uma concha retorcida e o outro para uma faca de bolso devidamente
embainhada.
Com o telescópio no olho, ela observava o barco do seu pai que navegou
através do recife até ao oceano mais fundo e mais escuro. Jack virou-se
para acenar a Nim. Nim acenou de volta apesar de saber que ele não a
conseguia ver.
As velas brancas apanharam o vento e levaram-no para fora da vista. Nim
ficou sozinha. Durante três dias e três noites, qualquer coisa que
acontecesse ou precisasse de ser feita, era Nim que faria.
— E do que precisamos primeiro — disse Nim — é de pequeno-almoço — e
atirou quatro cocos para a areia descendo para os apanhar.
Foi então que soprou na sua concha duas notas agudas que chegaram ao
recife onde os leões-marinhos estavam a pescar.
Selkie pôs a sua cabeça fora de água. Tinha um peixe na boca, mas
engoliu-o rapidamente e mergulhou cm direção à praia.
E de uma rocha perto da cabana, veio Fred a rastejar. Fred era uma
iguana, espinhosa como um dragão, com um nariz amigável. Enrolou-se à
volta dos pés de Nim num abraço.
— Estás a desejar-me os bons-dias? — perguntou Nim. — Ou apenas a pedir
pequeno-almoço?
Fred olhou para os cocos. Ele era uma iguana muito honesta.
É difícil abrir cocos, mas Nim era uma perita. Com uma pedra e um
espigão, ela fazia um buraco e bebia o sumo, partia a casca e comia a
polpa. Fred tirou a sua parte e engoliu-a.
Iguanas-marinhas não comem cocos, mas nunca ninguém tinha dito isso a
Fred.
Selkie estava agora a subir a praia para os cumprimentar mas...
— Nós entramos também — gritou Nim, saltando das rochas. Selkie
dobrou-se e mergulhou com Nim, guiando-a pelas ondas. Nim agarrou-se bem
até se tornar metade leão-marinho, metade rapariga e ela toda era parte
do oceano.
Selkie e Fred foram então apanhar sol para uma rocha e Nim voltou para a
cabana. Despejando um bocado de água da sua garrafa azul preferida,
lavou os dentes por cima de um bocado de relva que estava a precisar da
cuspidela e começou as suas tarefas. Havia montes delas hoje, pois
estava a fazer as suas, bem como algumas de Jack.
Há muito tempo atrás quando Nim era um bebé, ela teve uma mãe e o
Jack. Mas um dia, a mãe tinha ido investigar o estômago de uma baleia
azul. Era uma experiência interessante que ninguém fazia há milénios e
Jack disse que teria corrido tudo bem e teria sido seguro, até os
Turistas Troppo terem vindo filmar a cena, gritando e navegando com o
seu enorme barco cor-de-rosa à volta da mãe de Nim e da baleia. Quando
Jack lhes disse para pararem, fizeram-lhe sinais bastante rudes e
chocaram contra o nariz da baleia.
Esta entrou em pânico e mergulhou tão fundo que nunca mais ninguém soube
quando e onde voltou a emergir.
A mãe de Nim nunca mais voltou.
Jack levou o seu bebe no barco e navegaram à volta do mundo, só para o
caso de a mãe de Nim voltar à tona noutro sítio qualquer e não os
conseguir encontrar. Então, um dia, quando o bebé se tinha transformado
numa rapariguinha, Jack encontrou esta ilha.
Era a ilha mais bonita do mundo. Tinha praias com conchas brancas, areia
dourada e rochas que produziam um arco-íris quando a água embatia nelas.
Tinha uma montanha de fogo com floresta tropical nas encostas e relvados
no sopé. Havia uma piscina de água fresca para beber, uma cascata para
escorregar e, escondido num vale, onde as pastagens encontravam a praia,
estava o espaço para uma cabana.
E à volta de tudo, para que apenas os barcos mais pequenos lá chegassem,
estava um recife labiríntico, curvando desde as rochas negras de um lado
até aos penhascos brancos do outro.
Jack navegou para uma cidade pela última vez. Encheu o barco com plantas
para um jardim, equipamento científico e desembarcou na ilha para
construir uma casa só para ele e para a sua filha, porque ele sabia
agora que a mãe de Nim tinha ficado no fundo do oceano.
Tal como uma sereia, pensou Nim.
Construiu uma cabana com troncos flutuantes e fortes ramos, um telhado
de palmeira e terra dura como chão. Montou uma antena parabólica e um
painel solar para carregar as baterias para uma lanterna, um telemóvel e
um portátil.
Fez colchões com folhas de palmeira, uma mesa e dois bancos, uma
secretária, estantes para livros e prateleiras para as suas coisas da
ciência, tigelas feitas de coco e pratos de concha. Cavou um jardim de
vegetais, no solo fértil no sopé da montanha e plantou abacates,
bananas, alfaces, laranjas, ananases, morangos, batatas-doces, tomates,
e ainda bambu para fazer tubos e outras coisas úteis.
Começou então a ser um cientista e, quando Nim cresceu, começou a
ajudá-lo. Eles liam o que dizia o barómetro, mediam quanta chuva caía
todos os dias e quão fortes eram os ventos, quão alto subiam as marés
altas e quão baixo desciam as marés baixas, marcavam então as medições
num gráfico branco de fundo azul-escuro.
Estudaram as plantas que cresciam na ilha e os animais que aí viviam.
Punham fitas azuis nas pernas dos pássaros e escreviam os números para
que Jack se lembrasse dos dias em que tinham nascido e quais eram os
seus pais e mães (Nim lembrava-se de qualquer maneira).
Às vezes Jack escrevia artigos sobre o tempo, plantas e animais,
enviava-os por correio eletrónico para revistas científicas e
universidades e, por vezes, as pessoas enviavam-lhe perguntas para ele
responder. Ele falava-lhes de tempestades tropicais, iguanas e ervas
marinhas, mas nunca lhes dizia onde era a ilha, para os dos Turistas
Troppo não a encontrarem, pois Jack odiava de os Turistas Troppo mais do
que odiava cobras-do-mar ou escorpiões. Só o navio de mantimentos, que
vinha uma vez por ano e lhes trazia papel, livros, farinha e fermento,
pregos e tecido, entre outras coisas que eles não conseguiam fazer, é
que sabia onde eles viviam. Era muito grande para atravessar o recife,
por isso Jack e Nim iam sempre ao seu encontro e o capitão nunca via
como a ilha era bela.
E todos os dias, estivesse Jack mais ou menos entusiasmado com um novo
tipo de concha ou borboleta, eles tratavam do seu jardim, regavam-no se
estivesse seco, arrancavam as ervas daninhas e colhiam o que já estava
maduro. Jack construiu um barracão com três lados para as ferramentas,
com ganchos para pendurar as bananas e a sua grande catana para as
cortar. A catana era a ferramenta preferida de Nim.
Quando acabassem de cuidar do jardim, pescassem o jantar, verificassem a
praia para ver se tinha madeira, garrafas ou qualquer outra coisa que
pudesse ter vindo nas marés, Nim tinha a escola.
Era o que lhe chamavam, mas não era dentro da cabana nem numa
secretária, sentavam-se na praia no escuro para estudar as estrelas e
trepavam aos penhascos para ver os pássaros nos seus ninhos. Nim
aprendeu a linguagem dos golfinhos, aprendeu sobre os pequenos
caranguejos que flutuam no mar nas suas casas de coco e como observar as
nuvens e ouvir o vento.
“Fantasy is a necessary ingredient in living, it’s a way of looking at life through the wrong end of a telescope.” – Dr. Seuss