A Páginas Tantas
Os problemas do Joaquim
O menino Nicolau, Sempé e Goscinny
Ontem, o Joaquim não veio à escola e, hoje, chegou atrasado com um ar
muito aborrecido e nós ficámos muito admirados. Não ficámos admirados
com o Joaquim por ele estar atrasado e aborrecido, pois ele atrasa-se
muitas vezes e está sempre aborrecido, quando vem para a escola,
sobretudo quando temos prova escrita de gramática; ficámos admirados,
porque a professora fez um grande sorriso e disse-lhe:
— Ora parabéns, Joaquim! Deves estar contente, não é verdade?
Nós ficámos cada vez mais admirados, pois apesar de a professora já ter
sido gentil com o Joaquim (ela é engraçada e gentil com toda a gente)
nunca, nunca lhe deu os parabéns. Mas mesmo assim o Joaquim não ficou
satisfeito, pois foi-se sentar, ainda com o mesmo ar aborrecido, ao lado
do Maixent. Voltámo-nos todos para olhar para ele, mas a professora
bateu com a régua na secretária e disse-nos para não nos distrairmos,
para nos dedicarmos aos nossos trabalhos e para copiarmos o que estava
no quadro, sem erros, por favor!
E depois, ouvi a voz do Godofredo, atrás de mim: — Passa palavra! O
Joaquim teve um irmãozinho!
No recreio pusemo-nos todos à volta do Joaquim que estava encostado à
parede, com as mãos nas algibeiras, e perguntámos-lhe se era verdade que
ele tinha tido um irmãozinho.
— Sim — disse-nos o Joaquim. — Ontem de manhã, o Papá acordou-me, estava
todo vestido e não tinha feito a barba, riu-se, abraçou-me e disse-me
que durante a noite eu tinha tido um irmãozinho. E depois, disse-me para
eu me vestir depressa e fomos para o hospital, e aí estava a Mamã;
estava na cama e tinha um ar tão contente como o do Papá e, ao pé da
cama, estava o meu irmãozinho.
— Mas tu não estás com um ar lá muito contente! — disse eu.
— E porque é que havia de estar? — disse o Joaquim. — Primeiro, ele é
feio como tudo. É muito pequeno, muito vermelho e está sempre a chorar,
e toda a gente acha isso muito engraçado. Eu, quando choro um bocadinho,
em casa, mandam-me logo calar, e depois o Papá diz que eu sou um pateta e
que lhe dou cabo dos ouvidos.
— Sim, eu sei — disse o Rufus. — Eu também tenho um irmão pequenino, e
isso dá sempre problemas. É o menino querido e pode fazer tudo, e se eu
lhe bato vai fazer queixa aos meus pais, e depois eu fico proibido de ir
ao cinema, à quinta-feira!
— Comigo é ao contrário. Tenho um irmão mais velho e ele é que é o
menino querido. Ele inventa que sou eu que levanto problemas, bate-me e
pode ficar até tarde a ver televisão e deixam-no fumar! — disse o Eudes.
— Estão sempre a aborrecer-me desde que o meu irmãozinho apareceu —
disse o Joaquim. — No hospital, a Mamã quis que eu beijasse o meu
irmãozinho, e a mim, é claro, não me apetecia nada, mas teve que ser, e
o Papá começou logo a gritar para eu ter cuidado, que eu ia virar o
berço e que ele nunca tinha visto um trapalhão tão grande como eu.
— O que é que se come quando se é assim pequenino? — perguntou o
Alceste.
— E depois — disse o Joaquim — voltámos para casa, o Papá e eu, mas em
casa era tudo muito triste, sem a Mamã. Principalmente porque foi o Papá
quem fez o almoço e ele zangou-se porque não encontrava o abre-latas, e
depois só comemos sardinhas e montes de ervilhas. E, esta manhã, ao
pequeno almoço o Papá pôs-se a gritar comigo porque o leite tinha vindo
por fora.
— E vais ver — disse o Rufus — primeiro, quando o trouxerem para casa,
ele vai dormir no quarto dos teus pais, mas
depois, vão pô-lo no teu quarto. E sempre que ele chorar vão pensar que
foste tu que o chateaste.
— Comigo — disse o Eudes — é o meu irmão mais velho que dorme no meu
quarto, mas não me aborrece lá muito, só há muito tempo, quando eu era
pequenino, é que essa espécie de palhaço se divertia a meter-me medo.
— Ah! Não! Isso tudo pode acontecer, mas no meu quarto ele não vai
dormir! O quarto é meu, têm mas é que arranjar outro se ele quiser
dormir lá em casa! — gritou o Joaquim.
— Bah! Se os teus pais disserem que ele vai dormir no teu quarto, o teu
irmãozinho vai mesmo dormir no teu quarto, e pronto — disse o Maixent.
— Não senhor! Não senhor! Eles podem deitá-lo onde quiserem, mas não no
meu quarto! Fecho-me lá dentro e pronto, não estou a brincar! — gritou o
Joaquim.
— Essa é boa, sardinhas com ervilhas? — perguntou o Alceste.
— À tarde — disse o Joaquim — o Papá voltou a levar-me ao hospital e
estavam lá o meu tio Octávio, a minha tia Edite mais a minha tia Lídia,
e toda a gente dizia que o meu irmãozinho era parecido com um montão de
gente, com o Papá, com a Mamã, com o tio Octávio, com a tia Edite, com a
tia Lídia e até comigo. E depois, disseram-me que eu devia estar muito
contente, e que agora era preciso que eu tivesse muito juízo, que
ajudasse a minha Mamã e que trabalhasse muito na escola. E o Papá disse
que esperava que eu me esforçasse porque até agora eu tinha sido um
cábula, e era preciso que eu me tomasse um exemplo para o meu
irmãozinho. E depois, não me ligaram mais, a não ser a Mamã que me
abraçou e que me disse que gostava muito de mim, tanto como do meu
irmãozinho.
— Ei rapaziada! Que dizem se fizéssemos uma partida de futebol antes que
acabe o recreio? — disse o Godofredo.
— Sabes uma coisa? Quando quiseres sair para ir brincar com os teus
amigos, vão-te dizer para ficares em casa a tomar conta do teu
irmãozinho — disse o Rufus.
— Ah sim? Ai é? Ele vai ficar mas é sozinho! — disse o Joaquim.— No fim
de contas ninguém o pediu. E eu vou brincar sempre que me apetecer!
— É, é, isso vai dar bronca, e depois vão-te dizer que tu tens é
ciúmes — disse o Rufus.
— O quê? Essa é boa! — gritou o Joaquim.
Ele disse que não era ciumento, que era uma palermice dizer uma coisa
dessas, dizer que ele não se preocupava com o seu irmãozinho; só que ele
não gostava que o incomodassem e que o fossem deitar no seu quarto, e
depois que o impedissem de ir brincar com os amigos, e que ele não
gostava de meninos queridos, e que se o chateassem muito, iam ver, ele
saía de casa e depois toda a gente ficava aborrecida, e que podiam ficar
com ele, com o seu Leôncio, e que toda a gente ia ter pena quando ele se
fosse embora, sobretudo quando os pais soubessem que ele era capitão de
um navio de guerra e que ganhava muito dinheiro, e que de qualquer
maneira ele já estava farto da casa e da escola, que não precisava de
ninguém, e que tudo isso era bestialmente divertido.
— Quem é o Leôncio? — perguntou o Clotário.
— É o meu irmão pequenino, claro — respondeu o Joaquim.
— Ele tem cá um nome mais esquisito — disse o Clotário. Então, o Joaquim
atirou-se ao Clotário e deu-lhe montes de bofetadas porque, disse-nos ele,
se havia coisa que não consentia era que insultassem a sua família.
“The noblest pleasure is the joy of understanding.” – Leonardo da Vinci