A Páginas Tantas
Cem vezes
Sid Hoff
Miss Compton era bonita, muito mais bonita do que todas as outras professoras
da Escola Básica 189 ou do que qualquer senhora que ele alguma vez tivesse
visto. Era só nisso que Philip conseguia pensar, desde que o novo período
começara.
— Philip, tens estado a ouvir-me? — perguntou ela, de repente.
O rapaz corou.
— N... não, m... minha senhora.
— Então, faz o favor de ir ao quadro escrever cem vezes: “Devo estar atento na
aula.”
Philip obedeceu. Quando acabou, voltou para o seu lugar e continuou a olhar para
Miss Compton.
Só Alan Harbach, que se sentava ao seu lado, percebeu o que Philip sentia.
— O Philip gosta da Miss Compton — disse ele em voz baixa, para que mais ninguém
pudesse ouvir.
Philip esticou-se e deu-lhe um soco. Era verdade o que Alan dissera, mas não
queria ouvi-lo, talvez porque, vindo de Allan, parecia obsceno.
— Por que fizeste isso? — perguntou Miss Compton, aproximando-se. Até mesmo
zangada era bonita.
Philip limitou-se a baixar a cabeça.
— Allan, por que é que o Philip te atacou?
— Não posso dizer, miss Compton. Não posso denunciar o Philip porque não sou
intriguista.
Claro que o Philip voltou para o quadro, desta vez para escrever: “Nunca devo
bater no Allan. Nunca devo...”
Quando voltou a sentar-se, Allan cochichou: “Hás de pagar-mas, Philip.” Sabia
cochichar. Miss Compton não o apanharia.
Philip não sabia. Quando tentou cochichar um pedido de desculpa, foi uma vez
mais parar ao quadro: “Não devo falar na aula. Não devo...”
E Allan? Allan foi eleito delegado de turma.
Philip pressentia que ele faria todos os possíveis para o
meter em sarilhos. Não se enganava: “Não devo atirar papéis para as escadas...
Não devo assobiar... Não devo cuspir...”
Quem fizera todas estas coisas? Philip não. Mas era mais fácil escrever no
quadro do que discutir com Allan. E, aliás, não queria que Miss Compton se
zangasse.
Chegou a prova de matemática e Allan passou-lhe a sua folha. Impossível resistir
a olhar para ela, por isso: “Nunca devo copiar numa prova. Nunca devo...”
Era inevitável que Miss Compton convocasse a mãe de Philip.
O rapaz, de pé entre as duas mulheres, estava envergonhadíssimo.
— Tenho mandado o seu filho escrever no quadro cada vez que faz uma asneira —
esclareceu Miss Compton.
— Ah, sim, cem vezes! — A senhora Gersten sorria. — Nos meus tempos também se
fazia isso.
— Houve muitas modificações no ensino, mas alguns dos velhos métodos ainda são
os melhores.
— Vou tentar ser melhor — prometeu Philip. — Vou tentar.
Não serviu para nada. Continuou a pagar pelos delitos que Allan lhe atribuía e
a escrever no quadro até os dedos lhe doerem.
“Nunca devo gritar nas escadas... Não devo escrever nas paredes... Devo descer
um degrau de cada vez... Não devo andar em correrias.”
Pelo menos, as linhas que escrevia iam-se tornando mais direitas.
Uma manhã, Philip chegou à escola ligeiramente atrasado e as escadas estavam
desertas, à exceção de Allan que, no cimo, esperava, com um sorriso aberto e
escarninho.
— A destruir a propriedade escolar, ah? — E Allan ria sardonicamente por entre
os dentes enquanto, tendo arrancado os livros das mãos de Philip, rasgava as páginas
à medida que Philip tentava passar por ele.
O toque já soara.
— Estás atrasado... — disse Miss Compton, quando Philip entrou na sala, mas o
rapaz caminhou diretamente para o quadro. Pegou num pedaço de giz e começou a
escrever.
— Philip, vai para o teu lugar — ordenou a professora, mas deteve-se ao ler as
palavras que sobressaíam, muito brancas, no quadro preto.
“Nunca devo empurrar o Allan pelas escadas abaixo. Nunca devo empurrar o Allan
pelas escadas abaixo. Nunca devo empurrar o Allan pelas escadas abaixo. Nunca
devo empurrar...”
O rapaz escrevera a frase quase uma dúzia de vezes quando ela, por fim, reuniu
as forças necessárias para correr para o vestíbulo e olhar por cima do corrimão,
enquanto o ruído do giz chiava, uma vez e outra e ainda outra, aos seus ouvidos.
“The noblest pleasure is the joy of understanding.” – Leonardo da Vinci