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A Páginas Tantas

Natal nas trincheiras

John McCutcheon

Os presentes tinham sido abertos e o jantar acabara. Depois de um longo passeio pelos campos cobertos de neve, o jovem Thomas aconchegou-se junto do avô e disse:
— Avô, este Natal foi o meu preferido. E tu, tens algum Natal favorito?
— Tenho, Thomas — respondeu o avô Francis. — Passei-o muito longe de casa, durante o primeiro inverno da Grande Guerra.
— Estiveste na guerra, avô? Foste um herói? — perguntou a pequena Nora, subindo para o colo dele.
O avô sorriu e sugeriu:
— E se começássemos pelo princípio?
As duas crianças aproximaram-se ainda mais.
— Foi em 1914. Os meus companheiros e eu estávamos há já várias semanas no campo de batalha. Sentíamo-nos sozinhos e assustados, embora tentássemos ser corajosos. Tínhamos passado um mês longo e frio em trincheiras lamacentas, que eram, naquela altura, a nossa casa.
“Sabíamos que não haveria tréguas no combate e que passaríamos o Natal ali mesmo. Aquela véspera de Natal aconteceu numa noite igual à de hoje. Os céus estavam a clarear e a geada cobria a Terra de Ninguém, o campo que nos separava dos soldados alemães.
“E ali estávamos nós, diante das trincheiras inimigas, à espera… À parte as bombas e as batalhas, a guerra consiste em esperar. Esperar para ver quem vai dar o próximo passo. Nessa noite, sentimos que iam ser os alemães. E tínhamos razão. De repente, uma sentinela fez sinal a pedir silêncio e ficámos todos calados.
“Foi então que um som rasgou o frio da noite gelada.
“O som provinha do lado inimigo da Terra de Ninguém e um soldado inglês que sabia alemão disse tratar-se de um cântico de Natal. Em breve, todos os alemães entoavam a mesma canção. Quando terminaram, decidimos responder-lhes com um cântico de Natal que todos conhecíamos.
“Depois, os alemães entoaram “Noite Feliz”, ao qual nos juntámos, com a letra cantada em inglês. Foi como se a terra inteira entoasse o mesmo cântico… Nunca pensei que cantar fosse tão sagrado. De repente, a sentinela de vigia gritou: «Aproxima-se alguém!» E, enquanto apontávamos as espingardas à escuridão de dezembro, deparámos com algo de extraordinário. Uma figura vinha até nós através da Terra de Ninguém. Numa mão trazia uma bandeira branca e na outra uma árvore de Natal cheia de velinhas. Era um gesto tão surpreendente e corajoso que não pude deixar de saltar da trincheira e de ir ter com aquele soldado.
“Fui o primeiro de muitos. Em breve, todos os soldados de ambos os lados se encontravam fora das trincheiras. Era tudo tão novo e estranho que, no início, estávamos nervosos. Passado pouco tempo, porém, trocávamos já pequenas lembranças – chocolates, conservas de carne, tudo o que pudéssemos partilhar. Quando mostrámos uns aos outros fotografias de casa e da família, deixámos de ser soldados e de ser inimigos. Éramos apenas filhos e pais, longe da família e de casa.
“Um dos nossos rapazes trouxe um acordeão e um dos deles começou a tocar violino. E acabámos por improvisar... Foi uma bela festa de Natal! Mas a alvorada em breve nos anunciou que tínhamos de regressar. Regressar às trincheiras, voltar a esperar. Pensar no que nos tinha acontecido e em qual seria o nosso próximo passo.
“Esta é minha recordação favorita de Natal. Hoje sou um homem diferente por causa do rapaz que fui naquela noite.
O avô abraçou os netos com força.
— Será que fui um herói? Penso que, naquela noite, todos fomos heróis.

Nota: Este conto é um relato ficcional, mas a trégua de Natal de 1914 foi um facto histórico. Aconteceu na linha de batalha entre a costa da Bélgica, a norte, e a fronteira da Suíça, a sul. Estima-se que, nesta trégua não oficial, participaram cerca de cem mil soldados. Foi um momento único na história da humanidade.


Exercícios

a. Testa a tua compreensão do texto.

b. Seleciona a ilustração mais adequada.

“The noblest pleasure is the joy of understanding.” – Leonardo da Vinci