Página 1 Página 2 Página 3 Página 4 Página 5 Página 6 Página 7 Página 8

A Páginas Tantas

Uma coisa bonita

Quando olho pela janela da minha casa, vejo uma parede de tijolos. O pátio está cheio de lixo. Os estilhaços de uma garrafa partida parecem estrelinhas cintilantes caídas do céu e espalhadas pelo chão.

As paredes em volta estão todas rabiscadas. Na porta principal do meu prédio, alguém escreveu a palavra Morre.

Cruzo-me todos os dias com uma senhora que vive na rua. Uma grande caixa de papelão serve-lhe de casa. Dorme no passeio, coberta por plásticos.

Percorro uma rua estreita e escura a correr, porque a mãe me disse que não devo parar nunca.

Por detrás de uma cerca, há um jardim sem flores. A mãe disse-me que todas as pessoas deviam ter uma coisa bonita nas suas vidas. Onde estaria a minha coisa bonita?

O professor ensinou-me a palavra na escola e eu escrevi-a no meu caderno: B-O-N-I-T-O. Bonito! Acho que significa que, quando tens essa coisa, o teu coração se enche de felicidade. Dirijo-me ao bar da senhora Delphine, que me diz:

— Olá, querida. Em que posso ser-te útil?

— Ando à procura de uma coisa bonita — respondo.

— Senta-te um bocadinho — diz-me.

Põe peixe a grelhar e, pouco depois, coloca-o dentro de um pão.

— Queres uma coisa bonita? Então, prova as minhas sanduíches de peixe grelhado — diz-me, enquanto trinco o pão.

— Mmmmm… Que delícia!

Quando saio para a rua, vejo alguns amigos meus.

— Vocês têm alguma coisa bonita? — pergunto-lhes.

— Eu tenho a minha corda de saltar — diz Sybil.

— Eu tenho as minhas missangas — responde Rebecca.

— Olhem só os meus sapatos novos! — exclama Jamal.

— A minha loja de fruta é muito bonita — diz o senhor Lee.

— Que maçãs tão lindas! — comento.

— Muito obrigado. Pega numa! — oferece o senhor Lee.

— Olhem só estes passes de bola — diz Mark a jogar no recreio.

— Já conheciam esta música? — pergunta Georgina a dançar na rua.

— Repara na suavidade desta pedra — diz o velho senhor Sims, sentado nos degraus em frente da casa. — Guardo-a no meu bolso há anos.

Através da grande janela da lavandaria, vejo a Tia Carolyn com o bebé Carl ao colo.

— Tu que andas a fazer, menina? — pergunta-me.

— Ando à procura de uma coisa bonita — respondo.

A Tia Carolyn passa-me o bebé e põe-se a dobrar roupa.

Quando lhe faço cócegas, Carl desata a rir. As gargalhadas de Carl fazem-me rir, também.

— O riso do meu bebé é uma coisa tão bonita… — diz a Tia Carolyn.

Volto para casa e sento-me cá fora nos degraus.

Olho para o lixo no pátio. Vejo a palavra Morre escrita na porta.

Vou buscar uma vassoura, uma esponja e um balde com água. Apanho o lixo, varro os vidros e esfrego a porta com muita força.

Quando a palavra Morre desaparece, sinto-me poderosa.

Um dia destes, vou semear flores no pátio. Depois, convido todos os meus amigos para virem ver.

Vou dar uma casa e uma cama a sério à senhora que dorme numa caixa de papelão. Depois, ela vai cantar e eu vou ouvi-la com muita atenção.

A mãe chega do trabalho. Dá-me um grande abraço apertado.

— Tens alguma coisa bonita? — pergunto-lhe.

— Mas é claro — responde. — Tenho-te a ti.

Adaptado de: Sharon Dennis Wyeth, Something Beautiful. Dragonfly Books.

“Think of all the beauty still left around you and be happy.” – Anne Frank