A Páginas Tantas
Sindbad, o Marinheiro

Sindbad é o meu nome, mas toda a gente me chama Sindbad, o Marinheiro, porque vivi mais tempo no mar do que em terra. Quando morreu, o meu pai deixou-me uma grande fortuna. Mas eu era jovem e inexperiente e gastei tudo. Então, disse para mim mesmo: «Viver na miséria, nunca!»
Com a venda dos poucos bens que me restavam, consegui montar um negócio e embarquei para as Índias com outros mercadores.
Estávamos no mar alto quando fomos colhidos por uma violenta tempestade e perdemos o rumo. A pouco e pouco, o mar acalmou-se e aportámos a uma ilha que parecia desabitada. Tinha bosques verdejantes, prados, árvores de fruto, riachos de água límpida. Um verdadeiro paraíso.
Desembarcámos. Caminhei durante muito tempo sozinho, até que, vencido pelo cansaço e pela fome, me sentei à sombra de uma árvore. Como tinha uma pequena provisão de comida, fiz uma refeição, bebi com vontade e, saciado, adormeci.
Quanto tempo dormi? Oh! Sei apenas que, quando acordei, não vi nenhum dos meus companheiros. Corri. Chamei. Mas às minhas chamadas, apenas respondia o chilreio dos pássaros e o sussurrar da folhagem. Por fim, fui dar à baía onde tínhamos ancorado o navio. Estava deserta. Os meus companheiros tinham-se esquecido de mim na ilha!
Havia por perto uma árvore muito alta. De ramo em ramo, consegui subir quase até ao cume. Num prado um pouco distante, brilhava um grande objeto branco, quase esférico.
Com o coração cheio de esperança, desci do meu observatório e segui naquela direção. O objeto era liso como o mármore e os raios do sol refletiam-se na sua superfície.
«Mas que será isto?» — interroguei-me.
Apanhei uma pedra e preparava-me para a atirar ao objeto quando, de súbito, o céu ficou escuro e o sol desapareceu.
Levantei a cabeça e, mesmo por cima de mim, pairava um enorme pássaro. O seu bico, curvo, abria-se e fechava-se com um estalido seco como o barulho de um chicote.
Permaneceu por alguns instantes suspenso a meia altura e depois precipitou-se em voo picado. Atirei-me ao chão, fechei os olhos e preparei-me para o pior, mas o pássaro pousou com grande estrépito das penas e, sem dar sinal de me ter visto, com a sua corpulência cobriu-me a mim e ao estranho objeto.
Então compreendi: era um ovo!
Lembrei-me que a bordo da nau os marinheiros costumavam falar de um pássaro enorme, que se alimentava de serpentes.
Que fazer? Mesmo que, por milagre, conseguisse fugir, teria de ficar para sempre na ilha, sem esperança de que algum navio por ali passasse. Só a tempestade nos levara àquele lugar perdido.
Muito devagar, tirei o cinto, liguei uma ponta a uma das patas do pássaro e a outra a um dos meus pulsos. Depois, vencido por todas aquelas emoções, adormeci.
Na manhã seguinte, acordei com a chiadeira do pássaro, que saudava o nascer do sol. Abriu as asas, estremeceu e levantou voo. E eu atrás, com as mãos agarradas ao cinto!
Vi, debaixo de mim, a ilha tornar-se cada vez mais pequena e, por fim, desaparecer na imensidão do oceano. Algum tempo depois, começámos a perder altitude em direção a uma minúscula mancha perdida no mar. A mancha tornava-se cada vez maior: era uma outra ilha, muito maior do que a primeira.
O pássaro desceu a pique em direção a um vale profundo e pousou no solo. Então, soltei-me e escondi-me. Diante dele, estava uma serpente horrível.
A luta entre os dois foi feroz. No final, contudo, o pássaro precipitou-se sobre a rival, agarrou-a com as suas monstruosas garras e levantou voo, desaparecendo pouco depois por entre as nuvens.
Eu tinha que encontrar um refúgio antes do cair da noite. A poucos metros de mim, escondida num penhasco, havia uma espécie de pequena gruta. A rastejar, deslizei para o seu interior.
Quando os raios de sol iluminaram o fundo do vale, vi a terra a animar-se, por encanto, de mil reflexos. Pus o braço de fora e apanhei um punhado de pedras: eram pedras preciosas. Incrível! Todo o vale estava coberto de diamantes!
Estava a sair do meu refúgio quando um bando de grandes águias desceu do céu. Rastejei muito lentamente para fora do esconderijo e enchi o bornal de diamantes.
Ouvi por cima de mim um forte bater de asas e logo a seguir uma força irresistível arrastou-me na direção do céu. A águia que me tinha agarrado sobrevoou o vale e dirigiu-se para um pico rochoso, onde foi pousar. Era ali o seu ninho.
Soltei-me com muito cuidado e já pensava em fugir, quando ouvi um grande alarido. A águia, surpreendida, levantou voo.
Os gritos provinham de um grupo de homens que, ao verem-me, silenciaram-se de espanto.
— Amigos, amigos! — gritei.
E saltei do ninho.
— Quem és? De onde vens? Também és mercador?
— É verdade, sou um mercador — respondi. Depois, contei-lhes a minha história.
— É realmente extraordinário que te tenhas conseguido salvar — comentou o velho. — E é ainda mais extraordinário que tenhas chegado aqui exatamente hoje. É que já estamos de partida. A colheita está completa.
— A colheita? Que colheita? — perguntei, admirado.
— A colheita dos diamantes. Utilizamos as águias para recuperar os diamantes. Infelizmente os maiores ficam no vale por serem muito pesados.
— Desta vez a colheita correu melhor! — exclamei.
Abri o bornal, apanhei o maior diamante e ofereci-o aos meus salvadores.
Naquela noite, a bordo do seu navio, houve uma festa memorável e, na manhã seguinte, partimos.
Foi assim que me tornei muito rico. Podia ter ficado para sempre na minha cidade, feliz e tranquilo. Mas havia qualquer coisa que me obrigava a viajar. Enfim, como devem ter compreendido, voltei a partir quase de seguida para novas aventuras. Mas essas, se quiserdes, contar-vo-las-ei numa outra ocasião.
Fonte: Os mais belos contos das mil e uma noites. Civilização Editora, 1994. / Illustração: Merve Atılgan
“You’re braver than you believe, stronger than you seem, and smarter than you think.” – Christopher Robin