Página 1 Página 2 Página 3 Página 4 Página 5 Página 6 Página 7 Página 8

A Páginas Tantas

As viagens de Gulliver

O protagonista desta história é Lemuel Gulliver, que aqui relata as viagens que o levaram a conhecer lugares e criaturas muito improváveis, entre as quais os pequenos liliputianos, que passam a vida em disputas fúteis.

Parte I
Uma viagem a Lilipute

O autor fala de si, da sua família e dos motivos que o levaram a viajar. Sofre um naufrágio, salva-se a nado e alcança a costa do país de Lilipute, onde é feito prisioneiro.

O meu pai possuía uma pequena propriedade rural. Eu era o terceiro de cinco filhos. Quando tinha catorze anos, enviou-me para Cambridge, onde residi durante três anos, aplicando-me com grande dedicação nos estudos. Quando as despesas se tornaram insustentáveis, fui entregue como aprendiz ao Sr. James Bates, um proeminente médico londrino, com quem permaneci durante quatro anos. De tempos a tempos, o meu pai enviava-me pequenas somas de dinheiro, que eu ia investindo na aprendizagem da arte da navegação e noutras áreas da matemática, úteis para quem pretendia viajar, como era minha intenção.

Depois de concluir o curso de medicina, fui recomendado para o posto de médico de bordo do Swallow, às ordens do capitão Abraham Pannel, com quem estive três anos e meio, fazendo duas viagens ao Levante e a outras partes do mundo. Quando regressei, decidi fixar-me em Londres e abrir um consultório.

Mais tarde, fui médico de bordo em dois navios e efetuei várias viagens, durante seis anos, às Índias Orientais e Ocidentais, conseguindo assim melhorar a minha situação financeira. Nas horas de lazer, lia os melhores autores, antigos e modernos, contando sempre com um bom número de livros à minha disposição. Quando me encontrava em terra, dedicava-me a observar as maneiras e os costumes dos habitantes locais, assim como a aprender a sua língua.

Após regressar a casa, os meus negócios não prosperaram e, passados três anos, aceitei uma oferta vantajosa a bordo do Antelope, um navio que partiu para os mares do Sul a 4 de maio de 1699.

A 5 de novembro, a noroeste da Tasmânia, o navio foi atingido por uma tempestade violenta. Eu e outros elementos da tripulação baixámos um bote e afastámo-nos rapidamente.

Pelos meus cálculos, remámos cerca de sete milhas, até já não aguentarmos mais, pois estávamos também esgotados pelo trabalho a bordo. Entregámo-nos, então, à mercê das ondas até uma nortada repentina virar o bote.

Ignoro o que terá acontecido aos meus companheiros do bote, bem como aos que ficaram no barco. Quanto a mim, nadei ao sabor da sorte, levado pelo vento e pelas marés. Quando alcancei uma zona com pé, a tempestade acalmara bastante.

Caminhei quase uma milha antes de chegar à costa, perto das oito da noite. Depois, avancei para terra firme, embora sem conseguir encontrar quaisquer sinais de casas ou habitantes. Extenuado, deitei-me na erva curta e macia, e adormeci profundamente, dormindo melhor do que alguma vez conseguira na vida, durante cerca de nove horas, pois quando acordei já o dia tinha nascido. Tentei levantar-me, mas não consegui mover-me.

Encontrava-me deitado de costas e descobri que os meus braços e as minhas pernas, tal como o meu cabelo longo e espesso, estavam fortemente presos ao chão de ambos os lados. Senti também que várias ligaduras delgadas me cruzavam o corpo, das axilas às coxas. Naquela posição, só conseguia olhar para cima.

Daí a pouco, ouvi um ruído confuso à minha volta e senti que algo vivo se movia na minha perna esquerda. Avançando cuidadosamente pelo meu peito, parou perto do meu queixo. Baixei os olhos tanto quanto pude e qual não foi o meu espanto quando vi um ser humano que não chegava aos quinze centímetros de altura. Entretanto, senti mais uns quarenta seres semelhantes, imaginava eu, que seguiam o primeiro.

Surpreendido, gritei tão alto que todos recuaram, assustados. No entanto, logo voltaram e um deles, que se aventurou a avançar até ao ponto em que conseguia ver bem o meu rosto, erguendo os braços e abrindo os olhos com espanto, gritou com uma voz penetrante, mas clara: Hekinah degul. Os outros repetiram várias vezes as mesmas palavras, cujo significado eu desconhecia.

Por fim, na tentativa de me libertar, arranquei as estacas que prendiam o meu braço esquerdo ao chão. Soltei ligeiramente as cordas e movi um pouco a cabeça, mas, antes de conseguir agarrar as criaturas, elas fugiram uma segunda vez, emitindo sons muito agudos. De seguida, após a algazarra ter terminado, ouvi um dos seres gritar Tolgo phonac, dando origem ao lançamento de mais de cem flechas que se cravaram na minha mão esquerda como se fossem agulhas. Ao tentar libertar-me de novo, dispararam uma descarga maior e alguns tentaram ferir-me com lanças de ambos os lados. Felizmente, tinha vestido um gibão de couro espesso que me protegeu dos golpes.

Pensei, então, que o mais prudente seria manter-me quieto. A minha intenção era continuar assim até ao cair da noite, altura em que conseguiria libertar-me facilmente, uma vez que já tinha o braço esquerdo solto. Quando viram que parara de me mexer, deixaram de atirar flechas, mas, pelo barulho que ouvia, percebi que se tornavam mais numerosos.

A cerca de um metro, junto ao meu ouvido direito, ouvi martelar durante mais de uma hora, como se estivessem a trabalhar. Virando a cabeça nessa direção, tanto quanto me permitiam as estacas e as cordas, vi uma plataforma erigida a cerca de 50 centímetros do chão, capaz de suportar quatro daqueles seres. Dali, um deles, que parecia ser uma pessoa importante, fez-me um longo discurso, do qual não entendi uma palavra. Mas devo mencionar que antes de iniciar o discurso, gritou Langro dehul san três vezes. De imediato, uns cinquenta habitantes aproximaram-se de mim e cortaram as cordas que me prendiam o lado esquerdo da cabeça, permitindo-me observar o orador. Este parecia ser de meia-idade e mais alto do que os outros três. Um deles, um pajem, segurava-lhe a cauda do casaco, enquanto os outros dois o ladeavam, para o apoiar.

Ao longo do seu discurso, houve períodos de ameaças, promessas, compaixão e amabilidade.

Adaptado de: Swift, J. (2018). As viagens de Gulliver (2.ª ed.). Fábula. Ilustrações: Konstantin Zubarev; Andrea Castellani.

Escape Room: frase simples e frase complexa.

“The different nations of the world had different customs.” – Jonathan Swift