A Páginas Tantas

Era uma vez um rei da Arménia. No seu jardim de flores e de árvores raras, crescia uma roseira franzina, que era, no entanto, a mais preciosa de todas. A roseira chamava-se Anahakan. Segundo o rei, a roseira nunca tinha florido. Mas era mais cumulada de atenções do que uma mulher amada, porque se esperava que dela nascesse a rosa única de que falavam os velhos livros. Estava escrito: “Da roseira Anahakan nascerá um dia a rosa generosa, aquela que concederá ao Senhor do Jardim a juventude eterna.”
Todas as manhãs, o rei vinha curvar-se devotadamente diante da roseira. Ajustava os seus lornhões e examinava os ramos, na esperança de encontrar um rebento por entre as folhas. Não encontrando nenhum, endireitava-se, e com uma expressão de cólera no rosto, agarrava o jardineiro pelo pescoço e dizia-lhe:
— Sabes o que te espera, pobre diabo, se esta roseira permanecer estéril? A prisão! O esquecimento total!
E todas as primaveras o rei mudava de jardineiro. Aquele que não tinha feito florir a roseira era enviado para a prisão. Vinha outro, que também nada conseguia, e cujo destino era o mesmo do seu confrade. Passaram-se doze primaveras e doze jardineiros. O décimo terceiro era um homem novo e confiante. Chamava-se Samuel. Disse ao rei:
— Senhor, quero tentar a minha sorte.
O rei respondeu-lhe:
— Os que te antecederam eram homens experimentados, sábios, de idade madura. Todos falharam. E tu, um novato, queres suplantá-los!
— Sinto que algo em mim me fará ser bem sucedido.
— O quê, meu louco?
— O medo, senhor, o medo de morrer na prisão!
Por entre as áleas do magnífico jardim, Samuel foi ver a sua roseira. Falou longamente com ela, em voz baixa. Depois, cavou a terra em volta do pé magro da roseira, regou-a, e ficou junto dela dia e noite. Protegeu-a do vento e acariciou as suas folhas. Enterrou as suas raízes em terriço mole. Ao sinal das primeiras geadas, vestiu-a de palha. E começou a amá-la. Quando começou a nevar, ficou junto dela, como à cabeceira de uma criança, e cantou-lhe canções de embalar.
Veio a primavera. Samuel não tirava os olhos da sua roseira esguia e frágil. Observava os seus pequenos galhos, rezava e respirava por ela. Todas as outras flores do jardim desabrochavam, mas o jardineiro nem lhes prestava atenção. Só tinha olhos para os ramos sem rosas. No primeiro dia de maio, ao despontar da alvorada, perguntou-lhe:
— Roseira, minha roseira, dói-te alguma coisa?
Mal tinha proferido estas palavras, viu sair das raízes um verme longo, negro e de aspeto terroso. Quis agarrá-lo, mas um pássaro pousou na sua mão e roubou-lho num bater de asas. Nesse mesmo instante, surgiu uma serpente de um arbusto próximo, que engoliu o verme e engoliu o pássaro. Então, uma águia desceu do céu. Matou a serpente, colocou-a nas suas garras e levantou voo de novo. À medida que se afastava e o dia nascia, um botão brotou da roseira.
Samuel contemplou-o, debruçou-se sobre ele, acariciou-o ao de leve, e a rosa generosa abriu-se ao sol da manhã.
— Obrigado, obrigado — agradeceu o jardineiro.
Correu para o palácio a contar a novidade. O rei estava deitado.
— Senhor — disse-lhe Samuel — a rosa Anahakan abriu-se. Eis-vos imortal, oh Senhor do Jardim!
O rei saltou da cama, abriu os braços e gritou:
— Que maravilha!
Ainda em camisa de noite e descalço, saiu a correr para o jardim.
— Coloquem cem guardas armados até aos dentes junto desta roseira — ordenou, gesticulando. — Não quero que ninguém se aproxime dela. Samuel, velarás por ela até à tua morte!
Samuel respondeu:
— Até à minha morte, senhor!
O rei ainda reinou dez anos, mas uma noite morreu, proferindo estas palavras:
— O Senhor do Jardim morre como os outros. Não passava tudo de uma mentira!
— Não — disse o jardineiro, ajoelhado junto dele. — Vós nunca fostes o Senhor do Jardim! A juventude eterna está reservada àquele que vela e eu velei, senhor, e ainda velo, do amanhecer ao crepúsculo, do crepúsculo ao amanhecer.
Fechou os olhos do rei, beijou a sua fronte pálida, e saiu.
Havia estrelas no céu. O jardineiro saudou-as uma a uma. Disse-lhes:
— Boa noite, boa noite, boa noite.
A partir de agora, Samuel tinha muito tempo. Tinha todo o tempo do mundo.
Adaptado de: Gougaud, H. L’arbre d’amour et de sagesse. Éditions du Seuil.
“To live in the hearts we leave behind is to live forever.” – Carl Sagan