A Páginas Tantas
Epidemias que mudaram a História
A praga do imperador
Se é verdade que as grandes epidemias têm efeitos no andamento do mundo, a peste bubónica — que se tornou conhecida como negra — foi um dos atores mais importantes da nossa era. No remoto ano de 541, matou entre 25 e 100 milhões de pessoas e acabou com o sonho de um imperador.
Desde 527 que Justiniano I estava em campanha para recuperar as antigas fronteiras do Império Romano que, no final do século III, fora dividido em dois. A parte oriental sobrevivera, mas a ocidental, Roma incluída, caíra nas mãos dos bárbaros. Partindo de Constantinopla, então a capital do chamado Império Bizantino, Justiniano e os seus generais ainda conseguiram retomar toda a Itália, mais o Norte de África e parte da Península Ibérica, mas a reunificação de Roma durou pouco. Uma doença então de origem desconhecida iria infetar desde logo os soldados, deitando por terra os ambiciosos planos de reconquista.
Hoje já se sabe que a peste negra — que dessa vez ficaria para a História como a praga de Justiniano — foi transmitida pelas pulgas que tinham vindo nos ratos a bordo de navios carregados de grãos oriundos do Egito. A doença chegou a Constantinopla em 541 e, até 544, matou entre 500 mil e um milhão de pessoas só na capital do império, espalhando-se rapidamente desde o mar Mediterrâneo até à Escandinávia.
O imperador bizantino e a sua mulher, Teodora, também ficaram infetados, mas escaparam com vida, para espanto de muitos dos seus súbditos, que viam a peste negra como uma punição divina pela promiscuidade da imperatriz, antiga atriz, bailarina e prostituta. Só no final do século XV é que os médicos tiveram a noção de que se transmitia.
Em 545, Justiniano ver-se-ia obrigado a assinar um acordo de paz com os persas que, entretanto, também haviam contraído a doença durante a guerra.
Recentemente, investigadores finlandeses demonstraram que uma mudança drástica no clima da Terra, no século VI, pode ter agravado as consequências da praga de Justiniano.
O ambiente seria também propício à propagação de doenças oitocentos anos mais tarde, quando a peste negra fez a sua segunda entrada na Europa. Os invernos rigorosos que precederam a década de 1340 tinham dizimado as colheitas, deixando as populações rurais famintas. A alternativa era rumarem às cidades, já sobrelotadas, na esperança de ali encontrarem trabalho e comida.
Devido às características das grandes cidades europeias em meados do século XIV, não é de estranhar a mortandade provocada pela Yersinia pestis. O sistema sanitário romano fora destruído, incluindo as latrinas, os canais de esgotos e as termas para banhos públicos. As águas sujas, de todo o género, eram, então, despejadas nas ruas, constantemente percorridas por porcos que iam comendo tudo o que apanhavam pelo caminho — cadáveres incluídos.
Com a chegada da peste, os mais ricos corriam a refugiar-se nas suas propriedades no campo. A sua morte era menos certa do que no caso dos mais pobres. Afinal, alimentavam-se adequadamente e viviam com melhores condições de higiene. Havia, por isso, quem acreditasse que se tratava de uma estratégia concertada da nobreza para enviar a plebe para o Inferno.
Ressurgiu também a ideia de que a peste negra aparecera como uma punição de Deus, à imagem do que se acreditara quando a lepra invadira a Europa no século XI. Contrair a doença era sinal de pecado, sendo que os pecadores morriam sem que alguém os aliviasse desse peso — nem os padres se aproximavam dos moribundos.
“It is not that I’m so smart. But I stay with the questions much longer.” – Albert Einstein