A Páginas Tantas
A galinha negra
Conto cigano
Era uma vez um valoroso cigano chamado Calo Dan que
matara um dragão e salvara uma princesa que era sua prisioneira. Como
recompensa, o rei dera-lhe uma arca cheia de moedas de ouro, fazendo
dele um homem muito rico.
Um dia, a mãe chamou-o e disse-lhe:
— Meu filho, tens muito dinheiro, mas um homem só é rico quando tem uma
família. Está na hora de procurares uma boa rapariga que queira casar
contigo. Se aqui nenhuma te agrada, faz-te ao caminho e procura em todos
os acampamentos ciganos. Não precisa de ser rica, assegura-te antes que
seja boa rapariga.
Calo assim fez, deixando o acampamento onde vivia com a mãe. Percorreu
montes e vales, visitou aldeias e acampamentos, mas não havia meio de
encontrar uma rapariga que lhe agradasse.
Já cansado daquela vida errante, decidiu que a aldeia seguinte seria a
última que visitaria. Levantou-se ao raiar da aurora,
enrolou a manta que o aquecera durante a noite e avançou resoluto na
direção de um pequeno povoado. À medida que se aproximava, reparou que
nunca antes visitara um acampamento tão pobre como aquele. Aproximou-se
de uma tenda e ficou espantado ao ver a delicada beleza de uma rapariga.
Era uma linda cigana de olhos negros como o carvão e longos cabelos
ondulados que lhe desciam até à cintura.
A rapariga estava a pôr a mesa, quando se voltou e viu Calo. Deu logo
meia-volta, entrou na tenda e desapareceu na escuridão. Calo chamou-a e
foi atrás dela. Nesse momento, saiu de lá de dentro uma galinha negra a
correr. Calo continuou à procura da rapariga, mas ela desaparecera como
que por encanto.
Passado algum tempo, um homem e uma mulher aproximaram-se da barraca e,
ao verem Calo ali especado, saudaram-no e convidaram-no para almoçar.
Enquanto comiam o belo cozido que a mulher servira, Calo encheu-se de
coragem e perguntou:
— A vossa filha não almoça connosco?
— Filha? — espantaram-se eles. — Não temos filha nenhuma!
Calo insistiu:
— Quem era então aquela bela moça que punha a mesa quando eu cheguei?
Responderam-lhe que não sabiam a quem ele se referia. Calo apressou-se a
mudar de assunto. A conversa prolongou-se pela tarde fora e, ao entardecer,
o casal convidou Calo a passar ali a noite. Ele aceitou, por um lado,
para agradecer a hospitalidade do casal e, por outro, porque sabia bem o
que vira e queria a todo o custo descobrir o mistério que rodeava a bela
rapariga. À noite, acenderam uma fogueira e ali ficaram contando
histórias, tocando e cantando, enquanto as chamas bailavam.
A certa altura, já cansados, recolheram-se. O casal depressa adormeceu,
mas Calo não conseguia dormir com a cabeça cheia de tudo o que vivera
naquele dia. De repente, ouviu um barulho que vinha do exterior. Sem
fazer ruído, levantou-se e avançou pé ante pé até à entrada da tenda.
Para sua grande alegria, ali estava de novo a moça, a comer o que
sobrara do almoço deles. Cheio de felicidade, sem pensar, Calo
acercou-se dela e agarrou-lhe na mão.
— Larga-me, — implorou a rapariga. Porém, sem a largar, Calo pediu-a em
casamento.
— Não posso aceitar o teu pedido, — respondeu ela com uma expressão de
tristeza nos seus belos olhos negros.
— Não podes ou não queres? — perguntou Calo, inconformado com a resposta.
A rapariga explicou-lhe então que era vítima de uma maldição imposta por
um feiticeiro que a pedira em casamento e que ela rejeitara.
— O feitiço — explicou ela — faz com que eu só tenha a forma humana ao
meio-dia e à meia-noite e só durante uma hora. O resto do tempo sou uma
galinha negra. O feitiço só se quebrará no dia em que um homem bom me
levar ao altar na forma de galinha.
— Eu farei isso! — exclamou Calo, enamorado. A noite passou e, na manhã
seguinte, Calo comprou a galinha ao casal. De regresso à sua terra,
antes mesmo de cumprimentar a mãe, Calo foi à igreja e pediu ao padre
que o casasse com a galinha negra. A princípio, o padre pensou que o
rapaz estava maluco, mas ao ver a sua insistência, acabou por marcar o
casamento para daí a três dias.
Quando Calo chegou a casa e apresentou a noiva à mãe, esta começou a
chorar e a lamentar-se:
— Ai o meu pobre filho! Para que o mandei partir? Tanto andou em vão
que enlouqueceu! Pois não vês tu, meu filho, que a tua noiva é uma galinha?
Onde é que já se viu tal coisa?
De nada adiantaram os protestos e rogos da mãe nem a troça dos vizinhos.
Calo estava decidido e, nos três dias que se seguiram, teve o cuidado de
nunca perder a noiva de vista, não fosse a mãe cozinhá-la de cabidela.
No dia da boda, toda a gente do acampamento se foi plantar diante da
igreja. Ninguém queria perder a cerimónia. O padre ainda pensou que o
rapaz talvez não aparecesse mas, à hora marcada, lá veio Calo com a
galinha negra debaixo do braço. O povo ria tanto que o padre teve de
intervir para restabelecer o silêncio.
A cerimónia começou e, quando o padre perguntou a Calo se este aceitava
a galinha como sua esposa e o rapaz respondeu que sim, a galinha
transformou-se na bela rapariga que ele encontrara no acampamento.
Toda a gente ficou de boca aberta, compreendendo que se tratava de um
casamento de amor. Os festejos prolongaram-se por uma semana com cantos,
danças, histórias e grandes banquetes.
E Calo e a noiva viveram felizes para sempre.
Contos e Lendas de Portugal e do Mundo. Porto Editora.
“The noblest pleasure is the joy of understanding.” – Leonardo da Vinci