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A Páginas Tantas

A invenção dos clubes de leitura

Há mais de um século, muito antes dos clubes do livro atuais, as mulheres já tinham descoberto como se envolver com a literatura, apesar de estarem excluídas dos clubes filosóficos e das universidades.

O local de encontro não era importante desde que tivessem um novo livro entre mãos e algum sossego. Podia ser uma sala de aula vazia, o quarto dos fundos numa livraria, a casa de amigos ou até a fábrica onde trabalhavam. O que as mulheres queriam era ler e discutir o que liam. Foi assim que nasceram os primeiros grupos literários norte-americanos, entre o final do século XVIII e o início do século XIX — precursores dos atuais clubes do livro.

Em 1839, a jornalista Margaret Fuller (1810-1850) organizou uma sessão a que apelidou de “Conversas”. Para Fuller, que foi a primeira mulher norte-americana a ser correspondente de guerra e editora de revistas, a ideia do clube de leitura ia muito além do mero entretém para substituir os bordados. Fuller incentivava as mulheres que, como ela, quisessem abordar questões como “Qual é o nosso propósito na vida? Como é que chegamos lá?”

As “Conversas” de Fuller, “tal como muitos destes círculos literários, eram uma forma de as mulheres lutarem pela verdade, pelo conhecimento e pela compreensão de si próprias e do mundo”. Megan Marshall, autora da biografia Margaret Fuller: A New American Life, que recebeu o Prémio Pulitzer para Biografias em 2014, comparou estas reuniões às dos grupos de sensibilização para o papel da mulher na sociedade que começaram a despontar nos anos 1960 e 1970.

Excluídas dos clubes filosóficos, marginalizadas da vida universitária e, de uma forma geral, de todos os circuitos intelectuais, coube às mulheres encontrarem outros meios para se envolverem com a literatura e o conhecimento.

Direitos da mulher

Muitas vezes visto como um espaço feminino de frivolidades, onde se bisbilhota à volta de uma taça de vinho, o clube de leitura é, antes, sinónimo de algo mais profundo: um lugar conquistado pelas mulheres — uma raridade — para acederem ao poder transformador de um livro.

Os grupos literários encorajavam as mulheres a falar, criticar, e até a escrever. Coube-lhes também atravessar fronteiras raciais e de classe. Em 1872, as mulheres negras de Lynn, no Massachusetts, formaram um dos primeiros grupos de leitura para negras, a Society of Young Ladies. Outros se lhe seguiram.

Ao longo do século XIX, os grupos literários femininos foram ganhando força e alguns chegaram mesmo a pronunciar-se sobre a abolição da escravatura.

No início do século XX, com o intuito de funcionarem como escape intelectual mas também como ferramenta de ação política, os clubes conheceram uma franca expansão, à qual não terá sido alheio o facto de haver um maior acesso aos livros, sobretudo com o aparecimento do livro de bolso e das vendas por correspondência.

O acesso às melhores universidades não era ainda uma realidade para todas as mulheres, o que terá contribuído para não deixar esmorecer a partilha e a exploração de novas ideias através dos livros.

Quando, nos anos 1960, as mulheres começaram a ser admitidas em massa nos estabelecimentos de ensino superior, o papel destes grupos inverteu-se: se antigamente compensavam a fraca educação que lhes era recusada, agora prolongavam o prazer do conhecimento que lhes trazia a frequência universitária.

Revolução da leitura

O lançamento do clube de Oprah Winfrey em 1996 foi um ponto de viragem. Durante os três primeiros anos, cada livro escolhido por Oprah vendia em média 1,4 milhões de exemplares.

Winfrey falou da literatura em termos cívicos, dando voz ao papel das primeiras mulheres que começaram os grupos de leitura. “Obter o meu cartão da biblioteca foi como ter cidadania, foi como ter a cidadania americana”, disse ela à Life Magazine em 1997. “Ler e ser uma rapariga inteligente era a única forma de me sentir valorizada. Foi também o único momento em que me senti amada.”

Este sentimento de autoestima prosseguiu até aos clubes de leitura atuais. Falar sobre literatura não é só falar de literatura. É também examinar ideias, identidades, pensamentos, sentido de si.

Durante a pandemia tudo isto se tornou ainda mais evidente, com os clubes de leitura a realizarem-se online houve mesmo um aumento de participantes. Os leitores procuram uma intimidade particular que pode vir dessa partilha. E encontram nos clubes uma “sociedade verdadeira”, como escreveu Margaret Fuller. Num mundo cheio de incertezas, os clubes de leitura são ainda um local construído com base na “paciência, no respeito mútuo e na audácia”.

Fonte: Público-Ípsilon

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“The world was hers for the reading.” – Betty Smith