A Páginas Tantas
A Celeste dos cravos
Celeste Caeiro foi a mulher que, sem saber que o fazia, definiu a revolução portuguesa que libertou o país da ditadura: a Revolução dos Cravos.
Celeste Martins Caeiro nasceu na Mouraria, Lisboa, a 2 de maio de 1933. Empregada de mesa e costureira, realizou, sem querer, a maior obra-de-arte contemporânea nacional: pintou Lisboa e o país de cravos vermelho vivo – e alguns brancos.
No 25 de abril de 1974, os cravos nos canos das espingardas dos soldados – são uma imagem que ficará para sempre associada à revolução. Durante alguns anos, o episódio atribuiu-se às floristas do Rossio, mas a verdadeira história é outra.
Tudo começou num restaurante chamado “Sir”, no edifício Franjinhas, na rua Braamcamp.
O dono tinha mandado comprar cravos para oferecer aos clientes no dia 25 para celebrar o primeiro aniversário do estabelecimento e estava no impasse entre ter que fechar por causa do golpe de Estado e ter que deixar as flores estragarem-se armazenadas.
Como era despachado, ofereceu um grande molho a cada empregado, entre os quais se encontrava Celeste, que regressou a casa, situada no Chiado, abraçada aos cravos. Percorreu a Avenida da Liberdade, atravessou o Rossio e subiu a rua do Carmo, entre uma multidão. Aí deparou-se com uma chaimite à esquina da rua Garrett. Ficou paralisada em frente a um soldado de G3, e perguntou-lhe:
— Para onde vão? O que vai acontecer?
— Vamos para o Carmo prender o Marcello [Caetano]. Já agora, a menina não tem aí um cigarrinho?
— Cigarro não, que não fumo. Mas posso-lhe oferecer um cravo, tenho muitos!
O resto da história é conhecido. O soldado enfiou o caule da flor no cano da espingarda. O camarada do lado também quis um e Celeste ofereceu-lhe outro. Por ela passam mais soldados e ela dá um cravo a cada um. Quando os cravos se esgotaram, Celeste foi imitada no gesto por gente na rua que correu a comprá-los nas floristas, que, solidárias, os ofereceram.
Assim nasceu um quadro pintado a vermelho vivo – e algum branco – que perdurará para sempre na imagética da Revolução de Abril.
Saraiva, N. (2022). Grandes Alfacinhas: a Celeste dos Cravos. Mensagem de Lisboa.
“You cannot make the revolution. You can only be the revolution.” – Ursula K. Le Guin