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Os Lusíadas: o concílio dos deuses
Os deuses reúnem-se num concílio para decidirem que sorte hão de dar aos Portugueses navegantes que procuram no mar aquilo que outros, desde os romanos aos mouros, só conseguiram encontrar em terra.
Júpiter, rei dos deuses, considera que os Portugueses, por serem corajosos e determinados, devem ser protegidos. Sabe que eles são capazes de levar ainda mais longe os feitos dos povos antigos, mas Baco não é da mesma opinião. Vira-se contra os Portugueses e também contra a bela Vénus, sua irmã.
— No que de mim depender, eles não hão de chegar ao seu destino, essa Índia tão distante, porque tudo o que foi grande e glorioso já está cumprido e pertence à História — anuncia, em tom ameaçador.
Para os Portugueses não era suficiente o apoio de Vénus, pois só com Marte e Mercúrio do seu lado iriam conseguir dar com o caminho que os fizesse chegar sãos e salvos às longínquas terras do Oriente.
Mercúrio toma o partido de Vénus, embora saiba que Baco nunca lhe perdoará essa escolha, e apoia os navegantes comandados por Vasco da Gama.
A respeito dos Portugueses, Mercúrio diz:
— Sobra-lhes o valor e a coragem já demonstrados nas batalhas contra os Romanos, os Mouros e os Castelhanos. Depois, quer o destino, a que chamarei “fado”, que suplantem em glória os Assírios, os Gregos e os Romanos, senhores das glórias mais antigas. E bem merecem que assim aconteça, pois já mostraram ser capazes de vencer a força das marés, que poucas vezes encontraram de feição.
Baco não aceitava a ideia de que os Portugueses se tornassem senhores do Oriente, seu domínio desde sempre, e onde nunca tinham faltado poetas capazes de cantar o seu amor pelo vinho, pelas festas e pela riqueza abundante e fácil com que se compram as almas dos homens e os corpos das mulheres.
Quando o concílio dos deuses terminou, já as naus de Vasco da Gama se encontravam no oceano Índico, onde se sabia que, mesmo com o apoio de Júpiter, estariam sujeitos às armadilhas e ciladas do vingativo Baco, apostado em evitar que alcançassem a longínqua Índia.
Vénus, porém, que apreciava a “gente lusitana”, por a achar doce e dedicada, disse a Marte e Júpiter:
— Muito atenta vou ficar, para que o maldoso Baco não satisfaça os seus propósitos. Eu gosto desta gente e hei de protegê-la.
Letria, J. J. (2009). Os Lusíadas: narrados aos jovens por José Jorge Letria. Oficina do Livro
GLOSSÁRIO
Assírios
Naturais da Assíria, uma entidade política da Antiguidade, situada na região do alto rio Tigre, na Mesopotâmia.
Baco
Deus do vinho, da ebriedade, dos excessos e da natureza.
Concílio
Reunião de autoridades eclesiásticas com o objetivo de discutir e deliberar sobre assuntos relativos à fé, à moral e à disciplina.
Marte
Deus romano da guerra, equivalente ao grego Ares. Filho de Juno e de Júpiter, era o deus da guerra sangrenta, ao contrário de sua irmã Minerva, que representa a guerra justa e diplomática.
Mercúrio
Mensageiro e deus do comércio. Estava encarregue de levar as mensagens de Júpiter.
Vénus
Deusa do panteão romano, equivalente a Afrodite, na mitologia grega. Vénus é a deusa do amor e da beleza.
“Quanto mais pode a fé que a força humana.” – Luís de Camões