Jornal Escolar AE Muralhas do Minho | 2023-2024
Educação em Portugal
Lara Sofia Silva Ferreira, 11.º B | 02-02-2024
Nos últimos 50 anos, a educação transformou-se numa questão central de extrema importância no panorama sociocultural do país e no processo democrático em curso.
Hoje venho falar-vos de uma das muitas crises que o nosso país enfrenta atualmente: a educação. Todos sabemos que o nosso sistema educativo fica muito aquém do desejado pela comunidade escolar, pois apresenta diversas fragilidades e falhas estruturais, mas serão estes problemas recentes? Será que o tão famoso 25 de Abril teve algum impacto?
De todas as transformações que a sociedade portuguesa sofreu após o 25 de Abril de 1974, o setor do ensino foi o que mais registou alterações. Durante a época do Estado Novo (1933-1974) vigorou um regime de ditadura militar onde a escola tinha uma ideologia de defesa dos valores tradicionais: “Deus, Pátria, Família”. Deus era visto acima de todas as coisas, as mulheres estavam destinadas às tarefas domésticas e os homens ao trabalho no campo para sustentar a casa.
A instrução básica tinha como objetivo que todos aprendessem a ler, escrever e contar, e era de três anos para as raparigas e quatro para os rapazes. As turmas não eram mistas, por isso os professores davam aulas aos meninos e as professoras davam aulas às meninas. Nas aldeias, as escolas eram pequenas: havia escolas que só tinham duas salas, uma para rapazes e outra para raparigas. Tinham aulas por turnos: de manhã ou à tarde, ou então a escola era dividida ao meio e os rapazes tinham aulas de um lado e as raparigas do outro. As salas estavam decoradas com um crucifixo, o retrato de Salazar e do presidente Óscar Carmona pendurados na parede, e os professores dispunham de uma régua ou palmatória para punir aqueles que se comportassem indevidamente ou obtivessem maus resultados escolares. Havia também as “orelhas de burro”, que eram colocadas na cabeça do aluno, estando este, muitas vezes, virado para a janela, para ser visto por quem passava. O ensino da religião católica era obrigatório. No início das aulas, além de cantarem o hino “A Portuguesa”, os alunos professavam “O amor a Deus, à Pátria e à Família”. Era também obrigatório o uso de farda.
Depois do 25 de Abril de 1974 a escolaridade obrigatória passou a ser até aos nove anos (e mais tarde até aos 18), e foram introduzidos no setor público a educação pré-escolar e a educação especial. O ensino passou a ser misto, deixou de ser obrigatório o uso de farda, passou a ser expressamente proibido os professores baterem nos alunos e ocorreu uma mudança nos programas lecionados e nos métodos de ensino, o que levou centenas de milhares de alunos a permanecerem na escola mais anos devido a esta proporcionar a quase todas as crianças em idade escolar a igualdade de oportunidades de acesso ao sistema.
A educação transformou-se numa questão central de extrema importância no panorama sociocultural do país e no processo democrático em curso, o que nos levou à aproximação do patamar de evolução dos outros países da OCDE. Contudo, apesar de ter sido notório o aumento da frequência do ensino secundário e superior, as desigualdades sociais e culturais terão por vezes condicionado o acesso universal a todos os jovens em idade escolar. Além disso, e apesar de toda a evolução, o sistema de ensino continua a apresentar diversas fragilidades e necessita de ser reformulado por já não satisfazer as necessidades quotidianas dos alunos de hoje em dia, como por exemplo, a questão do sistema de avaliação por exames. Muitos alunos, e também professores, acreditam que este método não é o mais eficaz.
Também é considerado um problema as suas classificações, pois estas levantam algumas dúvidas em relação à sua fiabilidade na medição das aprendizagens por haverem disciplinas com médias e medianas negativas em Portugal, quando, no entanto, as mesmas avaliações obtêm resultados bastante elevados internacionalmente.
E talvez a principal preocupação dos alunos nos dias de hoje seja a dependência dos exames nacionais para aceder ao ensino superior, pois toda a comunidade educativa está focada num modelo de preparação para o exame, não dando possibilidade à autonomia ou inovação nas escolas, cortando asas à criatividade dos jovens, pois não cumprir o programa é um elevado risco, que irá prejudicar o desempenho dos alunos no exame.
Mas para além destes temas, Portugal apresenta uma falha interna crucial no sistema de ensino: a situação dos professores. Ao contrário da realidade pré 25 de Abril, onde ser professor era uma profissão altamente respeitada e desejada, embora fosse uma profissão mal remunerada em que o salário era tão baixo que surgiu uma crise na habitação, situação que se está a repetir, que levou à necessidade da Fundação Calouste Gulbenkian financiar a construção de casas para professores. Hoje em dia, ser professor é uma profissão que perdeu o charme, prestígio e dignidade, sendo caracterizada como uma profissão pouco atrativa, com baixas remunerações, perda de autoridade e más condições de trabalho. O último estudo realizado sobre a saúde psicológica dos professores e dos alunos mostra que um terço dos alunos está afetado de algum modo e metade dos professores também. A maioria dos professores portugueses agrupa-se entre os 40 e os 59 anos e quase metade dos docentes têm mais de 50 anos. Há mais professores no norte do país e estão em falta nos distritos de Lisboa e de Faro, pois a deslocação dos mesmos implica pagar rendas, não de uma casa, mas de um quarto, nem sempre digno, porque os preços são inalcançáveis. É também fundamental trabalhar os conteúdos e a maneira como as aulas são lecionadas para que as escolas não matem o entusiasmo e a sede de conhecer dos jovens.
Além disso, a maioria das pessoas ainda crê que a inteligência humana é sinónimo de bons resultados académicos. Nos últimos anos, assistimos ao posicionamento competitivo de escolas, universidades e países em tabelas de classificação a nível educativo, contudo, estes rankings não contribuem para elevar o nível de envolvimento dos alunos ou a motivação dos professores, por isso é necessário adaptar as nossas escolas e universidades às necessidades contemporâneas.
Os seres humanos são naturalmente diferentes, diversos, curiosos e criativos. O ensino não deve ser apenas um sistema de transmissão de conhecimento entre as diferentes gerações, mas orientação, estímulo e incentivo aos alunos para que se envolvam na busca do conhecimento.
Um estudo da UNESCO concluiu que um ano de escolaridade aumenta o rendimento de um indivíduo até cerca de dez por cento e que a cada ano adicional de escolaridade aumenta o PIB médio anual em 0,37 por cento. Mais anos de escolaridade contribuem também para reduzir o crime e a desigualdade social, promover a saúde e o bem-estar e contribuem para uma maior participação cívica.
Espera-se que, até 2030, trinta por cento dos empregos estejam em risco de automatização. Talvez já esteja na altura de nos questionarmos sobre quais serão de facto as competências valorizadas no futuro mercado de trabalho e como reformar o sistema educativo para as promover.
Existe, neste momento, grande procura de competências de comunicação, competências colaborativas, criatividade na resolução de problemas complexos, pensamento crítico e criativo e capacidade de implementar soluções. O sistema educativo é centrado no chamado STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), mas não precisamos apenas de engenheiros informáticos e de programação. O sistema educativo precisa também de investir em traços de caráter como a determinação, perseverança, autoconhecimento e a capacidade de lidar com a derrota. As competências específicas exigidas pelo mercado de trabalho têm que ser constantemente aperfeiçoadas.
A qualidade do professor é sempre o mais importante para melhorar os resultados dos alunos, por isso é necessário elevar o perfil da profissão docente e investir constantemente no seu desenvolvimento profissional. Sir Ken Robinson, um nome conhecido na esfera da educação e cuja Ted Talk “As escolas matam a criatividade?” constitui a Ted Talk mais vista até hoje, afirmou que “os grandes professores do mundo também são ótimos alunos”. Aprender é uma conversa e não um monólogo, por isso aprendemos coletivamente.
Por todas estas razões, concluo que o sistema de ensino obteve uma grande evolução desde o 25 de Abril de 1974, mas precisa de capacitar os alunos com as competências transversais de que irão necessitar para se adaptarem a um mundo em rápida mudança.
“But I suppose the most revolutionary act one can engage in is... to tell the truth.” – Howard Zinn