Jornal Escolar AE Muralhas do Minho | 2024-2025
Para além da formação de hábitos: o ensino de línguas baseado em tarefas
PLNM | 18-09-2024
O Ensino de Línguas Baseado em Tarefas (ELBT) é considerado a abordagem mais compatível com o processo de aquisição de uma segunda língua.
Até finais dos anos sessenta, a aprendizagem de uma segunda língua era abordada, essencialmente, como um processo de formação de hábitos centrado no desenvolvimento da competência gramatical mediante algum tipo de prática controlada. A partir dos anos setenta, passou a ser encarada de um modo diferente, sendo amplamente influenciada pelo surgimento da Abordagem Comunicativa e pela consequente valorização de um conjunto mais amplo de competências necessárias a um uso da língua, não só correto, mas também fluente e adequado à situação, às intenções comunicativas e aos papéis desempenhados pelos participantes.
Compreender o conceito de tarefa
Uma tarefa é um plano de trabalho que não especifica as estruturas da língua-alvo adequadas para atingir o resultado solicitado, mas cria um espaço semântico e promove a necessidade de mobilizar processos cognitivos associados a determinadas opções linguísticas.
Em atividades comunicativas mais tradicionais, os alunos são solicitados a manipularem itens linguísticos predeterminados, mas no ensino baseado em tarefas é-lhes concedida liberdade para usarem qualquer recurso, tanto linguístico como não linguístico: gestos, desenhos, etc.
Uma tarefa distingue-se, ainda, por ser uma atividade com um foco predominante no sentido, ou seja, envolve a criação ou compreensão de mensagens comunicativas.
Uma outra característica da tarefa consiste em apresentar algum tipo de lacuna – de informação, opinião ou raciocínio – que motiva o aluno a procurar os recursos necessários para a superar, uma dinâmica que se baseia no facto de, na comunicação real, as pessoas comunicarem, geralmente, com a finalidade de obter dados de que não dispõem.
Direta ou indiretamente, uma tarefa assemelha-se também a atividades que os alunos têm de realizar fora da sala de aula, o que significa que pode envolver o mesmo tipo de tratamento linguístico – e.g. preencher um formulário com dados pessoais –, ou envolver uma atuação linguística mais artificial que dificilmente ocorreria no dia a dia, mas em que se encontram envolvidos os mesmos processos cognitivos que ocorrem em situações normais de comunicação: responder e fazer perguntas, ou lidar com mal entendidos.
A realização da tarefa envolve, ainda, determinados processos cognitivos – selecionar, classificar, ordenar, raciocinar, avaliar – que influenciam, mas não determinam, as formas linguísticas necessárias à sua realização, cabendo ao aluno escolher os recursos linguísticos e não linguísticos que considere mais adequados para o efeito.
Exemplo de um exercício gramatical contextualizado, que solicita aos alunos que deem atenção, sobretudo, à forma:
O que é isto?
O que é isso?
O que é aquilo?
Faz perguntas e responde como no exemplo com o vocabulário da sala de aula.
porta / janela / mesa / cadeira / estojo / pasta / lápis / borracha / livro / quadro / parede / mapa
Embora a atividade possa conduzir ao tipo de uso da língua que ocorre no dia a dia (pedir e dar esclarecimentos sobre algo), os alunos estão limitados a substituir alguns itens predeterminados, não os podendo escolher livremente de acordo com o seu nível de desenvolvimento e em função do resultado pretendido. A atividade não solicita um resultado não linguístico claro no qual os alunos se possam concentrar, como por exemplo, o número de objetos a nomear ou o contexto comunicativo em que a interação tem lugar (e.g. sala de aula, papelaria, etc.).
Outras atividades, como um jigsaw, são tarefas porque têm por finalidade promover a interação e a negociação de sentido: os alunos trabalham em pares ou pequenos grupos, e cada elemento tem acesso a informação diferente que deverá trocar com os colegas para conseguir concluir a tarefa.
Neste caso, pretende-se, fundamentalmente, envolver os alunos no sentido. Devem trabalhar em pares, fazendo perguntas – “Qual é a data de aniversário da Maria?” ou “Qual é o país de origem do Kurt?” – para obter a informação em falta.
Na sequência de eventuais erros linguísticos, o professor poderá reagir, de modo mais implícito ou explícito, durante ou após a realização da tarefa. Deverá, ainda, aferir as estruturas que os alunos já conseguem usar e aquelas que ainda não utilizam para, com base nessa informação, elaborar novas tarefas que permitam disponibilizar mais input, se necessário, ou chamar a atenção dos alunos para estruturas específicas.
Embora algumas atividades não sejam facilmente caracterizáveis como tarefas ou exercícios, o critério-chave que permite distinguir uma tarefa é a existência de um foco predominante pragmático, ou seja, o uso da língua em contexto.
Enquanto uma tarefa requer que os participantes atuem como utilizadores da língua, sendo a aprendizagem concebida como acidental; os exercícios requerem que atuem como alunos, sendo a aprendizagem intencional. Neste sentido, uma característica que permite distinguir claramente uma tarefa de um exercício é o facto de a sua finalidade se basear no princípio de que a competência comunicativa se desenvolve pelo envolvimento na comunicação, não sendo um pré-requisito para nela se poder participar.
O ensino de línguas baseado em tarefas não tem de substituir totalmente os procedimentos tradicionalmente privilegiados, mas deve fazer-se uma análise da situação concreta e optar-se pelo método mais adequado.
Fonte: Osório, P. & Gonçalves, L. (Eds.). (2019). O ensino do português como língua não materna: metodologias, estratégias e abordagens de sucesso. Dialogarts.
“Language shapes the way we think, and determines what we can think about.” – Benjamin Lee Whorf