Jornal Escolar AE Muralhas do Minho | 2024-2025
500 Anos de Camões
Luís Vaz de Camões: as origens
Biografia | 21-01-2025
Antes de ser convertido em símbolo da nacionalidade ou em paradigma do poeta genial. Luís Vaz de Camões foi quase tudo quanto um homem podia ser no tempo em que viveu.
A oeste da região espanhola da Galiza, perto da ria de Vigo, estende-se o belíssimo Vale Miñor. Castros romanos, velhas pontes de arcos, castelos e mosteiros em ruínas ou, às vezes, meras paredes em escombros, quase engolidas pelas silvas e indecisas sobre o que foram no passado, interrompem o verde dos pinhais, cortado aqui e além por algum ribeiro gorgolejante. Em Nigrán, mais exatamente numa pequena localidade chamada Camos, sobrevivem alguns monumentos medievais, como a igreja românica, com a sua torre de pedra, ou a casa solarenga hoje convertida em hotel. Nesse lugar, convizinhando, quem sabe, com a igreja ou a casa brasonada, existia há oito séculos uma construção feudal, o solar dos Camões, onde nasceu o trisavô de Luís Vaz de Camões, o primeiro da sua família a vir para Portugal.
O apelido do Poeta proveio, pois, de um topónimo, cuja pronúncia e grafia em português evoluiriam para Camões. Como qualquer nome de lugar, o próprio topónimo também tinha a sua origem, e essa estava no nome de uma ave aquática pernalta que ainda hoje encontra refúgio na área protegida dos terrenos alagadiços do estuário do rio Minor e das praias que se avistam do monte Parada. Poetas clássicos como Aristófanes, Plínio e Juvenal tinham chamado porfírio a esse pássaro de plumagem azul, bico e patas vermelhas. Na Galiza e em Portugal, usava-se o nome camão, ou caimão, segundo a grafia atual.
Como em qualquer casa, também naquela em que Luís de Camões cresceu se contariam de vez em quando lendas antigas, histórias de família transmitidas de geração em geração. Algumas teriam que ver com o patronímico. E, destas, é provável que algumas aludissem às suas origens fabulosas. Severim de Faria foi o primeiro biógrafo de Camões a evocar a velha lenda galega segundo a qual, em tempos remotos, havia na casa de um nobre da Galiza um pássaro camão, que tinha o raro destino de cair morto, caso a mulher do seu dono cometesse adultério. Ora, a esposa desse nobre galego era uma dama muito bela e muito requestada. Uma ocasião, um pretendente rejeitado e cheio de despeito decidiu caluniar a virtude da dama. O marido, ciumento, quis logo matar a esposa, mas esta, em desespero, recordou-lhe a existência do pássaro camão e pediu-lhe que o consultasse antes de a matar. Ao ver que a ave continuava viva, o marido percebeu o erro terrível que estava prestes a cometer, implorou o perdão da esposa e amou-a mais do que nunca. Quis, além disso, ligar o seu nome ao da ave, em memória do caso. Camões fez-se eco desta lenda numa carta em verso a uma dama, assim mostrando conhecer as suas origens galegas.
Tinha razão o Visconde de Juromenha ao afirmar, já no século XIX, que pouco nos importaria que Camões fosse filho de um nobre ou de um plebeu; o mesmo é dizer, para usar os termos saborosos de Aquilino Ribeiro, que tanto valeria que Camões fosse «aristocrata dos quatro costados ou fidalgo das dúzias». Ter ou não sangue nobre, com tudo o que isso significava na época, não seria determinante para o seu talento nem influiria no conceito que fazemos dele, é verdade. A questão é que cada indivíduo é, também, aquilo que lhe dizem ser.
Novo, I. R. (2024). Fortuna, caso, tempo e sorte. Contraponto.
“Ah o amor... que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê.” – Luís de Camões