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Jornal Escolar AE Muralhas do Minho | 2024-2025


500 Anos de Camões

Uma nova ordem mundial: a ascensão do Império Português e o nascimento de Camões

Biografia | 27-01-2025

Sabermos que Luís de Camões nasceu em 1524 ou 1525 importa, sobretudo, para compreendermos o contexto em que veio ao mundo.

Torre de Belém, Lisboa.

Camões nasceu no princípio do reinado de D. João III, o sexto rei da dinastia de Avis inaugurada com D. João I. Enquanto as primeiras gerações dos Camões criavam raízes no reino, Portugal lançara-se numa política de expansão territorial, iniciada com a tomada de Ceuta, em 1415, e prosseguida com a conquista de outras praças marroquinas, a descoberta e colonização das ilhas atlânticas e a exploração gradual da costa africana. O projeto congregava os diferentes grupos sociais, desde o povo até aos próprios reis e infantes, tendo envolvido, também vários familiares de Camões. A Coroa esperava restaurar o erário público, depauperado pelas campanhas de independência contra Castela. Os nobres pretendiam aumentar a honra, através dos feitos de armas, e a fortuna, com a conquista de territórios e de despojos. Os mercadores desejavam afastar os navios muçulmanos das costas algarvias e alargar as relações comerciais com os portos do Norte de África.

Durante o reinado de D. Manuel I, o pai e predecessor de D. João III, a viagem de Vasco da Gama à Índia alterara completamente o cenário político e económico internacional. Com a rota atlântica a permitir o contacto direto da Europa com o Oriente, as grandes repúblicas italianas, à cabeça das quais Veneza, que até então tinham gerido a rota comercial que passava pelo Mediterrâneo, viram a sua importância diminuída, do mesmo modo que o poderio dos navios turcos no comércio asiático através do mar Vermelho se achou abalado. Mas a chegada da armada do rei Venturoso à Índia fora apenas o início. Instalados no Indostão, os portugueses puderam navegar a Malaca, às Molucas, à China, ao Japão. O centro do comércio na Europa passou a ser Lisboa, para onde convergiam as riquezas asiáticas e onde se fixavam os negociantes e banqueiros europeus.

A ascendência dos portugueses no Oriente, conquistada através da força, tinha de ser mantida através da força. A conservação das redes comerciais dependia de investimentos substanciais em navios, na construção de fortificações, na manutenção de um corpo de soldados que defendesse as posições portuguesas, na fiscalização do comércio ilícito que burlava o monopólio régio, na gestão de um conjunto de alianças firmadas com os régulos locais, que periodicamente trocavam de lado, passando de aliados a inimigos. Com o correr do tempo, face a um império demasiado extenso, à falta de homens e recursos, à permanente ameaça turca, manter o império tornou-se difícil e oneroso.

Entretanto, uma revolução cultural estava a ocorrer. Cada navio que lançava ferro no porto de Lisboa representava a chegada de um manancial de informações acerca de regiões, povos, raças, costumes, animais, plantas que o Ocidente não conhecia, ou de que os portugueses iriam oferecer notícias muito mais exatas, fazendo vacilar certezas averbadas nos livros ou obrigando a modos novos de as interpretar. Com cada lugar descoberto, a ciência náutica progredia, os conhecimentos científicos aumentavam, os horizontes mentais expandiam-se, provando que o mundo era muito diferente e muito maior do que tinham dito os Antigos. E não eram só os funcionários do rei, os cronistas, os geógrafos, os sábios, a quererem dar conta das novidades.

A tripulação dos navios era composta por gente comum, pouco instruída, rudos marinheiros, soldados, pilotos, que embarcavam atraídos pela perspetiva da fortuna ou pela sede de aventura, que se deslumbravam tanto quanto os homens letrados com o que lhes entrava pelos olhos adentro. Também eles sentiam o impulso da escrita e queriam registar toda a espécie de novidades. Enquanto esses homens e mulheres se espalhavam pelo mundo, no Reino faltava gente para trabalhar nos campos e nos ofícios, escasseavam capitais para investir nas atividades produtivas, a agricultura e a indústria definhavam. Francisco da Silveira, um soldado amargurado, regressado da Índia em finais do século XVI, protestava:

Em breve tempo, se assim continuarmos, será necessário que as mulheres, em lugar de roca e agulha, lancem mão da espada e lança não só para nos ajudar a defender a Índia, mas a própria pátria em que nascemos... Que maior desatino pode ser que perder o próprio para conquistar o alheio? Dissipar as forças para alargar os confins? Consumir-se o sangue próprio pelo tirar a outrem?...

Quando, em 1521, D. João III foi aclamado rei no Mosteiro de São Domingos, logo se viu rodeado por dificuldades financeiras. As riquezas trazidas do Oriente continuavam a render enormes dividendos, mas o custo das expedições e da manutenção das posições portuguesas excedia os lucros, por muito grandes que estes fossem. A dívida externa continuava a crescer, não só pelo amontoar dos juros, como pela necessidade de contrair novos empréstimos.

A ter nascido em 1524, Camões veio ao mundo no ano em que Vasco da Gama, com quem era aparentado, morria na Índia. Se o seu nascimento ocorreu em 1525, foi contemporâneo das negociações para o estabelecimento da Inquisição em Portugal.

Novo, I. R. (2024). Fortuna, caso, tempo e sorte. Contraponto.

“Aquele que retorna de uma viagem, não é o mesmo que partiu.” – Provérbio chinês