Jornal Escolar AE Muralhas do Minho | 2024-2025
Europa
Apontas para o rosto sarcástico do sol de Inverno
e disparas. Há tantos meses que não chove – reparaste?
É o próprio céu a desistir de ti. E mesmo assim tu disparas, só sabes
disparar.
Estás enganada, Europa. Envelheceste mal e perdeste a humildade.
Não é contra o sarcasmo que disparas, não é contra o Inverno,
nem sequer contra o insólito, contra o desespero.
Tu disparas contra a luz.
Podes atirar-nos tudo à cara, Europa: bombas, palavras, relatórios de
contas.
Podes até atirar-nos à cara um deputado, uma cimeira.
Mas os teus filhos não querem gravatas. Os teus filhos querem paz.
Os teus filhos não querem que lhes dês a sopa. Os teus filhos querem
trabalhar.
Há tantos meses que não chove – reparaste? A terra está seca. Nem
abraçados à terra conseguimos dormir.
Enquanto te escrevo, tu continuas a fazer contas, Europa.
Quem deve. Quem empresta. Quem paga.
Mas os teus filhos têm fome, têm sono. Os teus filhos têm medo do
escuro.
Os teus filhos precisam que lhes cantes uma canção, que os vás
adormecer.
Eu acreditei em ti e tu roubaste-me o futuro e o dos meus irmãos.
Se estamos calados, Europa, é apenas porque, contrários ao teu gesto,
nós não queremos disparar
Poema de Filipa Leal, integrado no poema em cadeia, “Renshi.eu – um diálogo europeu em verso”, do Festival de Poesia de Berlim, 2012.
“I could sooner reconcile all Europe than two women.” – Louis XIV