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Jornal Escolar AE Muralhas do Minho | 2024-2025


O passado sonhado e o presente desiludido

Sara Correia e Lara Ferreira, 12.º B | 12-02-2025

Um velho livro de histórias cujas páginas são feitas de montanhas, rios e cidades que sussurram ecos do passado. Dos campos verdes às cidades pulsantes, cheias de luz e som, respiram-se vida e tradições. Do frio nórdico às praias ensolaradas do Mediterrâneo, este continente é um mosaico de culturas, onde cada pedra guarda segredos de impérios, revoluções e renascimentos. Um continente de contrastes, mas com uma harmonia única que o torna inesquecível – a Europa.

Não é assim vista por todos os olhos. Alguns preferem olhá-la de fora para dentro, e outros de dentro para fora. Por um lado, Fernando Pessoa, o escritor português de renome, vê a Europa como uma mulher e descreve a sua topografia como se fossem os traços de um corpo, estando esta deitada sobre os cotovelos, numa espécie de adormecimento, ou de espera, vivendo das memórias de um passado cujas raízes culturais estão associadas à Grécia, Itália e Inglaterra. Dá especial importância ao seu rosto, onde coloca Portugal como líder, não da Europa em si, mas da sua cultura e espiritualidade, pois acredita que é nessa vertente que Portugal está destinado a liderar a Europa.

Por outro lado, com o olhar afiado e atento, Filipa Leal interpreta este continente com moralidade. Fita a sua alma com tanta intensidade, que lhe chega a doer e, também como a Europa, resolve disparar, mas não injustiças, e sim versos indignados e sofridos, verdadeiros e conscientes. A sua poesia é interventiva e não se limita à descrição subjetiva nem à estética, ao contrário de Pessoa, é um ato de denúncia.

É clara a diferença na visão da Europa por parte de Fernando Pessoa e Filipa Leal, sendo possível dizer que ambas são opostas, o que acreditamos que aconteça devido às diferentes épocas em que ambos viveram. Fernando Pessoa escreveu a sua obra durante o início do século XX, período marcado pela instabilidade política e social em Portugal, tendo em conta a saída de uma república, para a entrada num regime ditatorial opressor. Este contexto influenciou a sua produção poética, procurando a afirmação da identidade nacional e a figura do herói romântico português. Assim, a obra invoca a grandiosidade da história nacional, refletindo o anseio de um renascimento num período de crise. Pelo exato oposto, o texto de Filipa Leal foi concebido na atualidade, isto é, século XXI, altura em que a Europa já não tem o papel, estatuto ou importância que tinha na altura, apesar de ainda ser bastante importante. Embora antigamente ainda houvesse esperança de uma Europa triunfante, guiada por Portugal, hoje em dia essa esperança parece ter-se dissipado totalmente devido aos problemas que têm afetado a Europa.

Neste caso, identificamo-nos mais com a ótica de Filipa Leal, na medida em que a mesma exalta a frieza e falta de humildade da Europa perante os seus “filhos”, os cidadãos europeus. A jornalista e escritora capta as frustrações e desencantos de uma Europa que, embora ainda poderosa, parece cada vez mais distante das promessas de unidade, igualdade e justiça. Um poema onde a universalidade do sentimento de desconcerto face a uma sociedade ignorante retrata verdades duras e cruas, que são comuns a todos os países do nosso continente, e bastante atuais, tendo em conta que foi escrito em 2012. No entanto, não é de todo apenas aplicável aos tempos contemporâneos, na medida em que problemas como a emigração massiva, o aumento de políticas extremistas, guerras e crises humanitárias são arrastados há anos, e tratados com “papéis”, “contas”, “cimeiras” e “deputados”, como diz Filipa.

No entanto, ao analisarmos ambas as abordagens, surge a questão: ainda há espaço para recuperar a esperança e o idealismo de Pessoa, ou a Europa está condenada à desilusão descrita por Leal? Consideramos que o caminho esteja em reconhecer as falhas, sem perder de vista a capacidade de reinvenção. Afinal, a história da Europa sempre foi marcada por crises e renascimentos, cabe-nos agora decidir se este é mais um momento de declínio ou uma oportunidade para construir uma identidade mais justa e solidária.

“Restam-nos hoje, no silêncio hostil, o mar universal e a saudade.” – Fernando Pessoa, Mensagem