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Jornal Escolar AE Muralhas do Minho | 2024-2025


9.ª Edição de ‘Contos imperfeitos’ convida à leitura dos grandes clássicos

Turma 11.º B | 28-04-2025

Ser leitor dos “Contos imperfeitos” é estar sempre à espera de algo surpreendente e maravilhoso. Desta vez, nos meandros de Frei Luís de Sousa e de Amor de Perdição, os alunos da turma B do 11.º ano encontraram inspiração para mais uma aventura literária.

Ilustração de Gustavo Borges para Frei Luís de Sousa em BD.

Amor de Perdição no século XXI: O último clique

Ana Catarina Rodrigues

Simão Botelho nunca acreditou em amores fáceis. O mundo moderno era feito de números, estatísticas e aprovações silenciosas. Gostos, visualizações, mensagens ignoradas… Tudo contava.

Foi assim que se apaixonou por Teresa de Albuquerque. Não num baile, mas numa festa onde todos estavam distraídos com os seus próprios reflexos digitais. Teresa era diferente. Tinha um silêncio raro, uma presença que fazia o tempo abrandar.

Mas ela pertencia a outra rede. O pai já lhe tinha traçado um futuro seguro ao lado de Baltasar Coutinho — perfeito nas aparências, imbatível nas conexões certas. Simão tentou resistir, mas tudo o que fez caiu num vazio.

No fim, Teresa cedeu ao mundo à sua volta. Simão percebeu isso quando viu a foto — bem iluminada, sem legenda, cheia de aprovação.

O amor deles não acabou num duelo nem num ato de loucura. Terminou com um clique.

O cavaleiro perdido

Bia Ferreira

Numa noite, enquanto passeava pelos jardins do antigo palácio de Almada, deparei-me com uma figura envolta nas sombras. Ao aproximar-me, reconheci-o. Era D. João de Portugal, o nobre cavaleiro dado como desaparecido na batalha de Alcácer Quibir.

— Senhor D. João? — Arrisquei, com a voz trémula.

Ele virou-se lentamente, com os olhos a refletir a luz pálida da lua.

— Sim, sou eu. Voltei após longos anos de cativeiro.

— Todos o julgavam morto. A sua ausência trouxe desespero e mudanças inesperadas, Senhor!

D. João suspirou profundamente.

— Sei que a minha esposa, D. Madalena, se uniu a outro homem, acreditando na minha morte. Não a culpo. O tempo e o sofrimento fazem novos destinos.

— Mas como pretende lidar com essa realidade? — Perguntei com curiosidade.

Ele olhou para o horizonte, onde as primeiras luzes da noite começavam a surgir.

— Não procuro perturbar a paz que ela encontrou. O meu regresso ficará em silêncio. O amor verdadeiro reside no sacrifício e na compreensão.

— Então, o senhor irá permanecer nas sombras, apenas a observar de longe?

D. João concordou lentamente.

— Sim. Às vezes, o maior ato de amor é permitir que aqueles que amamos sigam em frente, mesmo que isso signifique interferir com a nossa própria felicidade!

Com estas palavras, desapareceu na escuridão, deixando-me a refletir sobre os caminhos do destino e do amor.

A história que não contam

Daniela Purificação

Chamo-me Telmo Pais, de certeza que já ouviram falar de mim. Um aio leal e conselheiro, protetor e carinhoso, mas, acima de tudo, amigo. Fui eu quem cuidou de D. João de Portugal e o amou até ao seu desaparecimento na batalha de Alcácer Quibir, a batalha que fez D. Madalena, sua esposa, ficar viúva e órfã, o que me levou a tomá-la como filha. Mais tarde, tornei-me aio de seu segundo marido, Manuel de Sousa Coutinho. Estes tiveram uma filha, Maria, uma criança que amei incondicionalmente… Que Deus a tenha! Contudo, vou partilhar a minha história para saberdes como cheguei até aqui.

Vim de uma família com muitas dificuldades financeiras. Éramos nove irmãos: eu, o mais novo, e todos com os estudos inacabados, pois tínhamos de ajudar a pagar as contas da casa. Comecei a trabalhar aos quinze anos de idade na padaria dos meus vizinhos. Gostava de trabalhar lá e pagavam bem.

Trabalhei nesse magnífico lugar durante dezassete anos, porém os donos faleceram e os filhos fecharam a padaria. Tive de ir trabalhar para as obras. Era o mais novo do grupo, portanto os mais velhos aproveitavam-se desse facto. Tinha as tarefas mais pesadas e cansativas, e um horário que me permitia somente três horas de sono. Desgostei tanto desse trabalho que, certo dia, decidi fugir sem pensar. Não levei nada comigo, apenas a minha roupa de trabalho. Saí de casa como habitualmente, todavia, segui na direção oposta. Corri imenso, sem destino em mente, simplesmente corri.

Quando já me faltava o fôlego — confesso que não estava muito longe de casa —, atravessei uma longa floresta a caminhar. Mal cheguei ao outro lado, deparei-me com a carruagem de uma família nobre. Tinha nascido recentemente D. João de Portugal, uma criança encantadora e bela. Eu encontrava-me escondido atrás de um arbusto, a admirá-lo.

Subitamente, um grupo de terroristas invadiu a carruagem e roubou o pequeno. Tentaram escapar pela mesma floresta que eu acabara de percorrer. Sem pensar duas vezes, abandonei o arbusto e lancei-me em direção ao homem que tinha a posse do pequeno herdeiro, impedindo-o de escapar, e conseguindo recuperar o bebé. Sinceramente tive mais sorte do que juízo.

O pai da criança ficou tão grato pela minha ação que me propôs um trabalho como aio de D. João de Portugal, proposta que aceitei de imediato. Confesso que a mãe de D. João desconfiou muito de mim nos primeiros anos, pois achava que eu era cobaia dos terroristas pelo facto de me encontrar escondido naquele arbusto na hora exata em que tudo aconteceu. Ainda assim, tornamo-nos grandes amigos.

Passei dezoito anos da minha vida a cuidar de D. João de Portugal: eu era quem lhe segurava a mão em qualquer momento, celebrava as suas vitórias e o apoiava nas suas derrotas. O dia em que se deu o seu desaparecimento foi como se tivesse perdido um filho. Tratou-se de uma angústia terrível, mas sempre soube que ele voltaria, e voltou.

Memórias de um amor proibido

Diogo Fernandes

Maria estava sentada na grande cadeira de madeira esculpida, observando a mãe com curiosidade. D. Madalena de Vilhena olhava para o fogo da lareira, pensativa. O silêncio da casa tornava a noite ainda mais misteriosa.

— Mãe… — chamou Maria, hesitante.

D. Madalena sorriu e virou-se para ela.

— Sim, minha filha?

— Como conheceu o meu pai? — perguntou Maria, com os olhos a brilhar de curiosidade.

Madalena ficou surpreendida com a pergunta. Por um momento, pareceu querer fugir à resposta. Depois, suspirou.

— Foi há muito tempo… Eu ainda era jovem, e o teu pai, Manuel de Sousa Coutinho, era um homem admirável, cheio de coragem e de ideais nobres.

Maria inclinou-se para a frente, entusiasmada.

— Mas como aconteceu? Foi amor à primeira vista?

A mãe sorriu, com um brilho nostálgico nos olhos.

— Talvez. Mas, naquela altura, eu era casada com outro homem…

O rosto de Maria entristeceu. Sabia bem que a história da sua família pairava sobre eles como uma sombra.

— Mas o que sentiu quando viu o meu pai pela primeira vez?

Madalena baixou o olhar, como se voltasse ao passado.

— Senti que algo mudaria para sempre dentro de mim. Ele tinha uma presença forte, uma inteligência rara… e um coração que batia pelo bem de Portugal. Foi impossível não o admirar.

Maria sorriu.

— E quando soube que estava apaixonada?

A mãe passou os dedos pelo tecido do vestido, pensativa.

— Acho que sempre soube, mas tentei negar. Não era certo. Não era permitido. Mas o amor… o amor nem sempre segue as regras que os homens impõem.

Maria pegou na mão da mãe.

— E arrepende-se?

Madalena olhou para ela com ternura e, depois de um longo silêncio, respondeu:

— Nunca.

E o fogo na lareira crepitou, como se guardasse em segredo aquela história de amor marcada pelo destino.

A promessa de D. Madalena!

Eliana Alves

Na brisa suave do entardecer, quando o sol se despedia em tons dourados sobre o Tejo, D. Madalena de Vilhena contemplava o rio da varanda do palácio de sua família. Era uma jovem de rara beleza e espírito inquieto, educada nas artes e nas letras, mas destinada, como todas as mulheres do seu tempo, a um casamento que servisse os interesses da casa.

Foi numa dessas tardes, em que o céu se tingia de púrpura, que ela conheceu D. João de Portugal. Ele era um homem de porte nobre e olhar intenso, um cavaleiro que já granjeara fama pelos seus feitos militares. Tinha regressado de uma campanha contra os mouros e fora convidado para um banquete na casa dos Vilhena. Madalena ouvira falar dele, mas só ao vê-lo de perto sentiu a estranha vertigem do destino. A música e o riso enchiam o salão, mas para Madalena nada existia além daquele homem que falava com paixão sobre o reino, sobre honra e sacrifício. Diferente dos outros fidalgos, que a tratavam como um adorno, D. João olhou-a como igual, escutou as suas palavras com atenção e sorriu quando ela, sem medo, expressou a sua opinião sobre a instabilidade do reino. Foi nesse instante que ela soube que, caso o coração tivesse escolha, escolheria aquele homem.

Os dias passaram, e os encontros furtivos nos jardins do palácio tornaram-se mais frequentes. D. João não era um poeta, mas a sua voz era firme ao jurar que faria de Madalena sua esposa. Ela sabia que o pai hesitava, temia que a vida militar do pretendente trouxesse mais lágrimas do que glórias. Mas D. João era persistente e, num gesto de desafio ao próprio destino, pediu a sua mão em casamento.

O casamento celebrou-se com pompa, e Madalena entregou-se à nova vida ao lado do marido. Mas a felicidade foi breve. Portugal vivia tempos de incerteza, e D. Sebastião convocou os seus homens para a fatídica expedição a Alcácer Quibir. A guerra chamava-o, e Madalena, apesar do aperto no peito, não ousou prendê-lo.

Na véspera da partida, à luz de velas trémulas, ele segurou-lhe as mãos e prometeu que voltaria.

— Se eu morrer, que Deus me leve. Se eu viver, regressarei para ti. Nenhuma terra me prenderá senão esta, onde está o meu coração. — disse D. João de Portugal.

Madalena tentou sorrir, mas as lágrimas traíram-na. Abraçaram-se uma última vez, e, quando o sol nasceu, D. João partiu, levando consigo a promessa e o destino da mulher que o amava.

Nunca mais voltou. O resto da história o tempo contaria, numa tragédia maior do que Madalena poderia ter imaginado. Mas, naquele instante, na despedida, ela ainda acreditava na promessa e na esperança de um regresso.

O peso do passado

Gonçalo Pires

Sentei-me diante de Frei Luís de Sousa na penumbra do convento. A sua cara, marcada pelo tempo e pela dor, refletia a tragédia que o tornara espectro de si mesmo.

— Frei Luís de Sousa… ou devo chamá-lo de Manuel de Sousa Coutinho?

Ele baixou os olhos.

— Esse nome morreu com minha antiga vida.

— Mas o passado nunca morre — insisti. — O senhor fugiu do mundo, mas e Madalena? E Maria?

Ele estremeceu.

— Carrego-as comigo, na alma. Minha penitência é eterna.

O silêncio pesou entre nós. O vento soprava do claustro, frio como as lembranças.

— O senhor arrepende-se?

Frei Luís de Sousa suspirou.

— Arrependo-me do destino, não das escolhas.

Levantei-me, depois de saber que não havia redenção para ele — nem para quem testemunhou a sua dor.

Encontro nas muralhas de Valença

Gonçalo Correia de Almeida

Num entardecer fresco, enquanto caminhava pelas muralhas de Valença do Minho, avistei o Romeiro sentado num banco de pedra, a contemplar o rio Minho que seguia lá em baixo, dividindo Portugal e Espanha. Aproximei-me, em silêncio, sentindo o peso do seu mistério a pairar no ar.

— Romeiro — disse eu, quebrando o silêncio —, há quanto tempo não te via por estas terras. Onde andaste? Por que desapareceste sem deixar rasto?

Ele virou-se lentamente, o rosto marcado por uma expressão de cansaço profundo, como se carregasse o peso de mil histórias.

— Andei por terras que já não reconheço, Gonçalo — respondeu, a voz baixa e grave. — Por caminhos que me levaram para longe daqui, mas que sempre me trouxeram de volta. Desapareço porque há coisas que não se podem enfrentar. Há sombras que só se dissipam com o tempo.

— Que sombras são essas que te assombram? — perguntei, sentando-me ao seu lado. O rio brilhava ao longe, refletindo os últimos raios de sol.

— Sombras de um passado que não me deixa em paz — confessou ele, fixando-se no horizonte. — Erros que não posso corrigir, vidas que não posso salvar. Valença é um lugar de fronteira, aqui, entre muralhas, sinto-me protegido, mas também encurralado. As pedras guardam memórias, e eu não consigo fugir delas.

Fiquei em silêncio, observando o rio que fluía calmamente. O Romeiro levantou-se, ajustou a capa e começou a caminhar ao longo das muralhas.

— Para onde vais agora? — perguntei, levantando-me também.

— Para onde o vento me levar — respondeu, sem olhar para trás. — Até que as sombras me deixem em paz.

E assim, desapareceu novamente, deixando-me só com o som do vento a sussurrar entre as pedras das muralhas de Valença.

Entre dois tempos

Inês de Almeida Esteves

A noite estava fria e a casa parecia suspensa no tempo. Caminhei devagar pelo chão de pedra, sentindo que não pertencia àquele lugar. Mas, de alguma forma, estava ali.

Vi Maria sentada junto à janela. O vestido branco envolvia-a como se fizesse parte da escuridão. Parecia perdida nos próprios pensamentos, até que notou a minha presença.

— Quem és tu? — perguntou, com um olhar curioso, mas sem medo. Sentei-me ao seu lado, sem saber bem como explicar. Então, fui direta ao que me trouxera ali:

— Como foi para ti saber que o teu destino estava traçado? Que não havia outra escolha?

Maria suspirou, desviando o olhar.

— No fundo, acho que sempre soube. Apenas esperei que alguém o dissesse em voz alta. — Fez uma pausa antes de continuar. — Mas quando percebi que não havia fuga, senti-me como um pássaro dentro de uma gaiola. Primeiro resiste, depois cansa-se, por fim, esquece que um dia teve asas.

Ficámos em silêncio por um momento. Depois, perguntei:

— E D. João de Portugal? O que sentes por ele?

Ela apertou os dedos no colo e sorriu, mas era um sorriso sem alegria.

— Nada. Ele não é nada para mim. Mas, ao mesmo tempo, foi tudo. Porque, sem ele, eu teria sido outra pessoa.

O peso das palavras dela ficou no ar, como um fio invisível que nos ligava à tragédia já escrita.

— E essa tua maneira de sentir tudo tão profundamente? Isso também te pesa? — Arrisquei.

Maria olhou para mim com um brilho estranho nos olhos.

— Sempre. Parece que vivo tudo duas vezes: uma cá dentro e outra fora. Mas o mundo não foi feito para pessoas assim, pessoas intensas.

A vela ao nosso lado tremeu, e senti que estava a ser puxada de volta para o meu mundo. Antes de desaparecer, Maria olhou para mim e, pela primeira vez, não vi apenas tristeza nela. Vi alguém que, apesar de tudo, compreendia o próprio destino. Depois, tudo voltou a tornar-se escuridão.

O último crepúsculo de Madalena

Joana Alves Rodrigues

A última luz do dia desaparecia sobre as paredes frias do palácio. Madalena, sentada junto à janela, observava o céu a tingir-se de sangue, como se o próprio tempo se despedisse com pesar. O vento rastejava pelos corredores, deslizando sob as portas, murmurando segredos que já não tentava compreender.

Manuel estava decidido. Abandonaria tudo pela honra do nome. Mas que honra era essa, que exigia o sacrifício do amor e de uma vida? Madalena sabia que não havia escapatória possível — nem para ele, nem para ela. Estavam presos ao passado como prisioneiros de uma casa maldita, onde a esperança morria antes mesmo de nascer.

No quarto ao lado, Maria dormia tranquila, protegida por uma inocência que Madalena invejava. Aproximou-se da filha e passou os dedos pelos seus cabelos, como quem segura um fio de luz antes que a escuridão o reclame. O coração apertou-se-lhe no peito. Maria nunca saberia a extensão do sofrimento que pairava sobre elas.

Um som distante percorreu a casa. Passos. Madalena estremeceu. Seria o destino, sempre cruel, a cobrar a sua última dívida? Ou apenas o eco de uma história que se repetia, condenando-os a um fim já escrito?

Com um suspiro profundo, fechou os olhos. O crepúsculo dissipava-se. A noite tomou o seu lugar.

A minha conversa com Frei Jorge

José Marcos Neto

Eu: Frei Jorge, desculpe incomodar, mas eu tenho uma dúvida. Como é que o senhor consegue manter tanta calma com todo o alvoroço que está a acontecer?

Frei Jorge: (olha para mim com um sorriso tranquilo) A calma, meu filho, não vem de evitar os problemas, mas sim de confiar que Deus nos guia, mesmo nos momentos mais difíceis.

Eu: Mas isto é tão complicado... D. João voltou e D. Madalena está desesperada e o Manuel de Sousa Coutinho não sabe o que fazer, como é que o senhor os ajuda?

Frei Jorge: (suspira) Eu apenas os escuto e tento lembrar-lhes que a vida é feita de escolhas, nem sempre podemos controlar o que acontece, mas podemos escolher como reagir.

Eu: E o senhor já passou por algo assim? Algo que o tenha feito questionar as suas escolhas?

Frei Jorge: (fica em silêncio por um momento) Todos temos um passado meu jovem. Nem sempre fui frade, houve uns tempos em que cometi erros e fugi de responsabilidades... Mas Deus deu-me uma segunda oportunidade e tento usá-la para ajudar os outros.

Eu: Isso é inspirador, Frei Jorge, mas não é difícil ajudar os outros quando a gente também tem os nossos próprios problemas?

Frei Jorge: (sorri) Sim, meu filho, é muito difícil, mas sabes, ajudar os outros também nos ajuda a nós mesmos, quando nos focamos em fazer o bem, os nossos próprios problemas parecem menores.

Eu: Obrigado, Frei Jorge, acho que estou a começar a entender... mas confesso que ainda me sinto um bocado perdido com tudo isto.

Frei Jorge: (coloca uma mão no meu ombro) Não tenhas medo de errar filho. O importante é aprender com os erros e tentar ser melhor a cada dia.

O rei desaparecido

Margarida Carvalho

Naquele dia fatídico, em Alcácer Quibir, o céu parecia carregar um presságio sombrio. As nuvens pesadas pairavam sobre nós como se fossem testemunhas silenciosas de um destino inevitável. Eu, D. João de Portugal, sentia o peso da responsabilidade sobre os meus ombros, não apenas como guerreiro, mas como homem.

Avançávamos pelo campo de batalha, cercados pelo som ensurdecedor dos tambores e das trombetas. Os nossos soldados marchavam com bravura, cheios de esperança, prontos para lutar em nome de Portugal e do nosso jovem rei, D. Sebastião. Mas, no fundo do meu coração, algo me inquietava. Teríamos escolhido o caminho certo? Ou estávamos simplesmente a correr para a nossa própria ruína?

O ar cheirava a pólvora e sangue. O choque das espadas contra os escudos ressoava ao meu redor. A cada golpe, via rostos, os dos inimigos, mas também os dos meus camaradas, caindo um a um, como folhas varridas pelo vento. A morte não escolhia lados, no meio daquele caos, todos eram iguais perante ela.

Ainda me lembro da imagem do rei D. Sebastião, montado no seu cavalo branco, liderando a carga com um olhar inflamado de determinação. Ele acreditava, com fervor, que a vitória era nossa, que estávamos destinados à glória. Mas, à medida que as horas avançavam e o campo de batalha se transformava num mar de corpos, a verdade foi-se impondo de forma cruel. Estávamos a ser esmagados. A esperança que trouxéramos connosco dissipava-se, como areia a escapar pelos dedos.

Foi então que o vi pela última vez. No meio da poeira e da confusão, o rei desapareceu, envolto num mistério que perdura até hoje. Nunca mais o vimos. Alguns dizem que foi capturado, outros que morreu ali, naquele solo estrangeiro. E há ainda os que acreditam que ele vive, esperando o momento certo para regressar e salvar Portugal.

Quanto a mim, fui levado para terras distantes, onde a sombra de Alcácer Quibir nunca me abandonou. Durante anos de cativeiro, revi aquele dia incontáveis vezes na minha mente, tentando compreender as decisões que nos levaram até lá. E, acima de tudo, interroguei-me sobre o destino do nosso rei.

No fundo, ainda guardo uma réstia de esperança. Talvez, um dia, a verdade seja revelada. Talvez D. Sebastião regresse para cumprir a promessa de glória que nos fez.

Até lá, vivo apenas com as memórias daquele campo de batalha, os rostos dos que perdi e a sombra persistente do nosso rei desaparecido. Talvez nunca saibamos o que realmente aconteceu. Mas uma coisa é certa: a história de Alcácer Quibir permanecerá gravada nas nossas almas para sempre.

Um encontro com Telmo Pais

Miguel Ferreira Lameira

Era quase de noite e o céu estava alaranjado quando entrei na velha casa senhorial. O ar pesado trazia ecos do passado. Ao fundo, uma figura solitária estava perto da lareira. Olhando bem, percebi que ninguém mais era que Telmo Pais.

Aproximando-me, quebrei o silêncio:

— Boa noite, senhor Telmo.

Ele ergueu os olhos, surpreendido, e com a sua voz grave respondeu:

— Boa noite… Quem sois vós que ousais perturbar as memórias de um velho servo?

— Apenas alguém que conhece a vossa história e deseja ouvir dos vossos próprios lábios o que sentistes ao ver o regresso de D. João de Portugal.

Telmo suspirou e olhou para a lareira.

— Ah, meu jovem… Como podeis compreender o que é servir a um senhor até à última esperança? Passei a vida guardando a honra de D. João, defendendo D. Madalena e a pobre D. Maria… e, no fim, a verdade destruiu tudo.

— Mas não tinhas dúvidas sobre a morte de D. João?

— No fundo, nunca duvidei. Mas o coração de um fiel escudeiro não obedece à razão. Eu não duvidava, porque era meu dever crer!

O fogo estalou na lareira, como se ecoasse sua dor.

— E hoje, Telmo, se pudésseis voltar atrás?

Ele sorriu amargamente.

— Ah… O destino é cruel, mas não se muda. Só me resta carregar o fardo da lealdade e rezar pelas almas dos que amei.

Um encontro com Manuel de Sousa Coutinho

Pedro Coelho de Sousa

A luz de uma vela refletia-se no convento sombrio e frio. Eu percorria os corredores quando uma figura encapuzada apareceu. O meu coração disparou.

— Quem está aí? — perguntei, assustado.

O indivíduo levantou o rosto: era Manuel de Sousa Coutinho, carregando um olhar pesado, devido à carga das decisões e do destino.

Aliviado por ser alguém que conhecia, questionei:

— O que faz aqui? E assim vestido? Assustou-me!

— O mesmo que tu. A percorrer o escuro à procura de respostas…— respondeu Manuel.

De facto, estava pensativo e, por isso, perguntei:

— Considera que se mudarmos o rumo de algo, ainda vamos a tempo de precaver o mal?

Ele respirou fundo.

— O destino alcança-nos sempre, mesmo quando o tentamos evitar. Assim como a verdade nos aguarda, independentemente do rumo que escolhemos.

— Está a referir-se a Maria? — ousei perguntar.

Ele fechou os olhos por um momento e respondeu, calmamente:

— A verdade destruiu-a mais rapidamente do que a doença. Talvez, se tivéssemos falado antes... Mas de que valem suposições? Não são mais do que isso, suposições.

O silêncio envolveu-nos. Um silêncio que se ouvia muito alto.

A luz da vela estava inquieta, projetando sombras nas paredes.

Fechei os olhos por segundos. Quando os reabri, ele havia desaparecido, restando somente a escuridão e uma mente perturbada com perguntas infinitas sobre a vida.

O desaparecido

Rodrigo Afonso Barbosa

A noite estava fria e o fogo tremeluzia entre nós, quando D. João de Portugal ergueu os olhos cansados, como os de um homem que já não pertence ao mundo dos vivos. Com a voz rouca pelo peso dos anos, começou a contar a sua jornada.

— Caí em Alcácer Quibir como todos pensaram, mas não pela morte, e sim pelo cativeiro. Os mouros tomaram-me as armas e o nome. Fui feito escravo, vendido como mercadoria. Trabalhei sob o sol impiedoso, conheci a fome, a dor e a humilhação. Ainda assim, a esperança de voltar a Portugal nunca me abandonou.

Fez uma pausa, como se revivesse cada instante.

— Fugi. Atravessei desertos onde a areia queimava os pés e as noites eram tão frias quanto a morte. Roubei pão, mendiguei abrigo, lutei contra homens e feras. Demorei anos até conseguir embarcar num navio que me trouxesse de volta. Mas quando enfim pisei a minha terra, descobri que ela já não era minha.

D. João apertou os punhos.

— Voltei para encontrar apenas um túmulo com o meu nome.

O silêncio pesou entre nós. Eu quis dizer algo, mas que palavras poderiam confortar um homem que retornara apenas para ser um fantasma na própria pátria?

A jornada de D. João de Portugal

Sara Lima Esteves

Se pudesse conversar com um personagem de Frei Luís de Sousa, gostaria de falar com D. João de Portugal.

Perguntar-lhe-ia sobre os vinte anos depois da batalha de Alcácer Quibir que ele passou desaparecido e considerado morto. Ele contar-me-ia como foi obrigado a escapar do campo de batalha e foi perseguido até países orientais. Contar-me-ia que nesses países, apesar de estar em fuga, contemplou vistas que o maravilharam e o deixavam com saudades do amor da sua vida, D. Madalena, do seu fiel conselheiro Telmo e da sua terra, à qual tentava desesperadamente regressar. Enquanto viajava através de vários territórios conhecera um homem que julgara de confiança e que lhe prometera uma maneira de regressar ao seu lar apenas para o entregar ao inimigo.

Com esse ato de traição fora aprisionado em Itália, durante vários anos, nos quais passara os dias em miséria, relembrando os dias duros da batalha, e em desespero, julgando que nunca mais veria a sua amada família. Quando finalmente tivera uma oportunidade para escapar do aprisionamento, já tinha uma longa barba branca e pouco cabelo na cabeça.

Nesse estado, fez a sua viagem de regresso à pátria, para o palácio que fora o seu lar há tantos anos, apenas para ser tratado como um estranho.

No fim da sua longa jornada de regresso, viu a sua amada esposa feliz com outro homem e uma filha, e o seu querido aio Telmo, que servia esse outro homem.

O destino

Tiago Costa Garceis

A noite estava fria quando o Romeiro chegou. Atravessou a soleira da casa dos de Sousa com passos lentos, o burel encharcado da viagem. Ninguém sabia de onde viera, mas o seu olhar trazia um peso que fazia tremer até os mais corajosos.

Acolheram-no por piedade, mas a sua presença inquietava. D. Madalena observava-o, como se pressentisse um fantasma. Manuel de Sousa Coutinho, por sua vez, pouco falava, mas o seu rosto endurecia a cada palavra do velho peregrino.

Uma noite, não resisti à curiosidade e aproximei-me dele, enquanto rezava em voz baixa.

— Dizei-me, Romeiro... Que procurais realmente aqui?

Ele ergueu os olhos, e o que vi neles fez-me recuar. Não era o olhar de um viajante comum, mas de alguém que já vira demasiado.

— Não procuro nada, senhor. Apenas trago o que há muito foi esquecido.

— E o que seria isso?

Fez uma pausa. Depois, num sussurro carregado de um peso invisível, murmurou:

— A verdade.

O meu peito apertou. Naquela casa, havia segredos enterrados. Mas o Romeiro não vinha para os esconder. Vinha para os desenterrar.

Na manhã seguinte, partiu sem se despedir. Mas deixou para trás um silêncio denso, que depressa se transformaria em tragédia.

A casa dos de Sousa nunca mais foi a mesma depois da partida do Romeiro. A sua sombra parecia ter ficado entre aquelas paredes, como um presságio silencioso.

D. Madalena passava as mãos trémulas pelo rosário, o olhar perdido, como se esperasse um golpe inevitável. Manuel de Sousa Coutinho caminhava pela casa em passos pesados, o rosto carregado de pensamentos que não partilhava com ninguém. Maria, doce e frágil, olhava para os pais com inquietação, sem compreender o peso invisível que se abatia sobre eles.

Foi então que, certa noite, chegou uma notícia que fez gelar o sangue de todos: no convento de São Domingos, um homem afirmava ser o verdadeiro D. João de Portugal.

O Romeiro não trouxe apenas palavras enigmáticas. Trouxe o passado à luz do dia.

No silêncio daquela casa, só se ouviu o eco de um soluço. O destino cumpria-se.

A coragem

Tomás da Cunha Gomes

Numa tarde serena, num pequeno pátio em Lisboa, encontro Maria. Sentados num banco de pedra, os nossos olhares cruzam-se e a conversa começa de forma subtil.

— Maria, como posso encontrar coragem no meio de tantas incertezas na vida? — pergunto eu, sentindo que as suas palavras carregam grande sabedoria.

Ela, com um sorriso que mistura tristeza e esperança, responde:

— A coragem não é a falta do medo, mas sim a decisão que tomamos ao enfrentá-lo. Cada escolha que fazemos, mesmo a mais simples ou a mais difícil, constrói o nosso destino.

Ao ouvir estas palavras, percebo que o passado pode iluminar o presente e guiar o nosso futuro.

Ela despede-se com um olhar sereno, deixando-me com a certeza de que a coragem é encontrada na simplicidade de sermos fiéis a nós mesmos.

Contos imperfeitos, 9.ª edição, 2024-2025

“O amor é uma luz que não deixa escurecer a vida.” – William Faulkner